Capítulo II

182 22 4
                                    

Eu sonhava. Sonhava que estava em um cavalo branco cavalgando, abraçada a Joana. Cavalgávamos por um lindo campo de flores, porém o sonho foi sumindo aos poucos quando um barulho me fez voltar a razão. Era difícil abrir os olhos com o tamanho sono que eu sentia e de certa forma, eu sabia quem era, mas aquilo era quase um ritual a ser seguido, então abro uma fresta do olho direito, vendo Carlos se deitar ao me lado na grande cama, cobrindo-se com os lençóis de tecido suave.

- Volte a dormir - o homem falou como sempre, ao me ver despertando.

- Suponho que tenha se divertido, qual delas foi dessa vez? - pergunto fria, apesar do sono, me sentando na cama, sem receber uma resposta, apenas um virar de olhos - Me diga, qual das minhas damas de companhia você levou para cama essa noite?

- Volte a dormir, isso é irrelevante - ele apenas se virou de lado, adormecendo ou ao menos fingindo que dormia para evitar o assunto.

Nosso relacionamento não tinha grandes diálogos, trocávamos apenas poucas palavras quando eram necessárias. As pessoas geralmente me alertavam que como Carlos sendo meu marido e meu rei eu não deveria aborrecê-lo, eu deveria ser uma boa esposa e a rainha que esperavam que eu fosse e isso incluía não falar muito, era preferível que eu ficasse em meu silêncio, que fosse obediente e tolerante, afinal, eu havia me casado com ele e precisava respeitá-lo, mesmo que isso não fosse recíproco. Isso não era definitivamente um incômodo já que eu não era alguém de muitas palavras e haviam, atualmente, mais coisas para me preocupar do que as frequentes traições de meu marido.

Eu era uma Rainha consorte de um Rei deserdado, considerado ilegítimo por muitos. Havia me tornado um instrumento para gerar filhos para ele. E para mim, aquela era a única parte que realmente valia a pena, meus filhos. Eu havia tido quatro filhos àquela altura: Louis, Jean, Radegonde e Catherine.

Louis era o mais velho e tinha pouco mais que cinco anos de idade. Era um menininho adorável que em modesta parte, sempre foi muito apegado a mim, mas para a maior tristeza de meu coração, eu não o via a muito tempo. Quando o menino fez três anos, Carlos o mandou para um castelo afastado e eu não o via desde então. Eu precisava aprender a conviver com isso, mas como mãe, a dor daquela separação era insuportável e eu simplesmente não via a hora daquilo finalmente acabar. Mas isso não estava em minhas mãos e só cabia a Carlos decidir quanto tempo mais torturaria a esposa e o filho com aquilo.

O pequeno Jean já não vivia entre nós. O garotinho só ficou algumas horas na Terra. É claro que já foi tempo suficiente para conquistar grandíssimo espaço em meu coração. Eu sentia saudades dele e apenas torcia para que estivesse sendo feliz em um lugar melhor.

Radegonde e Catherine ainda eram bebês. Duas menininhas muito fofas as quais eu amava demais e faria o possível e o impossível por elas. Só desejava que fossem felizes, assim como a todos os meus filhos e estava disposta a passar o maior tempo possível com elas, afinal, não sabia o quanto aquilo duraria, apenas torcia para ser o suficiente.

Era por eles que tudo valia a pena. Todas as infidelidades, a obediência, o medo. Valia a pena quando pensava que precisava ficar bem de alguma forma se quisesse os ver bem. Esse era meu maior consolo.

As traições de Carlos não me afligiam mais, eu já havia me acostumado na medida do possível. Eu sabia muito bem que de manhã minhas damas de companhia me ajudavam a me vestir e a noite, ajudavam marido a se despir. É claro que era no mínimo humilhante tudo aquilo, porém eu não tinha muito o que fazer.

No outro dia não era difícil saber qual foi sua parceira na noite passada, bastava ver a moça que ostentava uma jóia nova. Elas não falavam daquilo comigo e eu preferia assim.

Esses eram os pensamentos que geralmente tomavam minha mente. Ao menos até Joana chegar. É claro que os outros pensamentos não foram simplesmente apagados, principalmente quando se tratava de meus filhos, mas a verdade é que eu simplesmente não conseguia tirar a Virgem de Lorena da cabeça, era como se ela tivesse me enfeitiçado e a cada vez que eu pensava nela, meu coração batia mais forte.

A menina havia sido enviada para Orléans o que havia me deixado extremamente preocupada. Rezava baixo, às escondidas, pedindo para que ela ficasse bem e viva, eu precisava dela bem, mesmo que nunca tivéssemos conversado antes. Eu não sabia explicar mas de algum modo ela havia se tornado tão importante para mim. Talvez eu estivesse apaixonada, apaixonada por Joana, apaixonada por uma mulher. Essa hipótese me assustava, era irreal. Mas algo irreal não poderia ser tão intenso, poderia? Porém eu também não sabia se coisas intensas assim eram sempre recíprocas. Nesse caso eu tinha quase certeza que não era.

Talvez eu ainda devesse fidelidade a Carlos, talvez os outros estivessem certos a respeito disso, afinal, ele ainda era meu rei e infelizmente, meu marido. Eu não havia me casado com ele por escolha, muito menos por amor. Aquilo era um jogo político e eu era um dos peões. Eu havia sido prometida em casamento aos nove anos, mas me casei finalmente apenas com meus dezessete. Eu não estava destinada a ser Rainha quando acertaram o casamento, Carlos não era o primeiro herdeiro do trono. Na verdade era o terceiro, mas enquanto o garoto foi crescendo e os anos foram se passando, seus irmãos foram morrendo o que o tornou o Delfim da França, mesmo depois de ser deserdado pelo pai, Rei Carlos VI da França.

Meu marido, após ser prometido em casamento a mim, foi morar com minha família. Éramos bons amigos de infância, costumávamos brincar com frequência. Mas aí nós crescemos e nos casamos após Carlos adiar o máximo que pôde.

Quem realmente havia se apegado ao jovem Carlos foi minha mãe, que se tornou uma espécie de mãe para ele que costumava a chamar de Bonne mère (Boa mãe em francês). Minha mãe... A poderosa Iolanda de Aragão. Era uma diplomata fascinante e sempre tinha um plano para tudo. Tudo que ela fazia sempre tinha um resultado espetacular, eu realmente a admirava. Gostaria de ter sido dotada com tamanha astúcia, afinal de contas, se Carlos ainda tinha um reino, era por mérito dela. Foi ela também quem foi a responsável por Joana estar ali. Então mentalmente eu repetia infinitas frases de agradecimento a ela e esperava de toda minha alma que Joana voltasse logo e em segurança.

Invisível - A paixão secreta de uma rainhaOnde histórias criam vida. Descubra agora