Capítulo IV

133 19 2
                                    

O dia estava calmo, com a luz fraca do Sol iluminando e colorindo com seu dourado os grandes campos que cercavam o castelo.

- Em breve nós libertaremos Paris! - Joana contava seus planos de guerra enquanto andava animada ao meu lado.

Joana havia coroado Carlos a pouco tempo em Reims como todos os outros reis que vieram antes dele, o homem havia sido ungido com o óleo sagrado e agora era um Rei legítimo, o que me tornava uma Rainha legítima. Era uma grande vitória para o partido Armagnac.

Era encantador a forma em que ela adorava me contar sobre as batalhas, falava daquilo com tanto fervor. Aparentemente era a coisa que mais a interessava, tirando é claro, suas crenças religiosas. Ela não me falava muito das vozes, aparentemente não era autorizada por elas e eu, não questionava sobre, já estava de bom tamanho a ouvir falar sobre seus sonhos de uma França livre da Inglaterra enquanto a brisa leve bagunçava levemente nossos cabelos e depois, riamos daquilo.

Os passeios com Joana eram uma das coisas que eu mais amava, conversar com ela, ouvir sua voz doce e saber que era comigo que ela falava. Eu não fazia ideia se meus sentimentos amorosos por ela eram correspondidos mas a ideia de que ela me tinha como uma amiga já era extremamente agradável.

- Essa é a vontade divina, uma França inteiramente livre! - a menina falava com firmeza.

- Tenho certeza que sim - falei com um leve sorriso.

Joana iria falar algo mas foi interrompida quando um dos servos de Carlos chegou, nos atrapalhando.

- Majestade - ele falou se reverenciando, segurando uma jóia com as duas mãos - Joana, a Donzela.

- Boa tarde Senhor - Joana falou aparentemente tão confusa quanto eu, enquanto eu apenas dava um leve aceno com a com a cabeça.

- Como... Como nós podemos ajudar? - pergunto o observando, apenas desejando que ele fosse embora o quanto antes, mas ainda assim, em um tom educado.

- O Rei mandou um presente para a Donzela de Orléans - o garoto falou um pouco incerto, entregando a jóia para Joana.

Aquilo foi como um soco no estômago, uma jóia de Carlos para Joana? Igual as minhas damas de companhia ganhavam ao se deitar com ele? Senti raiva, dor e tristeza se apossar de mim por inteiro, ela não podia ter feito aquilo, simplesmente não podia!

- Por que o Rei me mandou a jóia? - a menina parecia confusa, não constrangida como eu esperava, parecia realmente não saber do que se tratava.

- O Rei mandou em forma de agradecimento por tudo que você fez para ele e para a França - o garoto tremia um pouco ao falar, parecia ser extremamente tímido.

- Eu agradeço mas minha missão ainda não está cumprida, há muito o que fazer! Os ingleses ainda estão na França! - o tom de Joana era incomodado.

- Pelo o que eu entendi o Rei dispensa sua ajuda, disse que é mais vantajoso e barato usar a diplomacia ao invés de gastar com exércitos e equipamentos, agora ele já é um rei coroado não?

- O que? Carlos não pode fazer isso! Eu ainda não completei minha missão! Ele está contrariando a Deus! Isso é errado, ele não...

- Donzela, com todo o respeito eu não sou e jamais serei o Rei - o garoto falou, interrompendo Joana - Eu sinto muito mas não sou eu que decido isso, não há nada que eu possa fazer, sou apenas um dos vários servos do Rei, ele nem sequer me ouviria, duvido muito que saiba o meu nome.

Olho para Joana, parecia arrasada, aquele olhar de tristeza e decepção partia meu coração em pedaços. Lanço um olhar de relance para o garoto, logo voltando o olhar para Joana.

- Pode se retirar Monsieur - falo para o menino que logo se reverenciou, saindo dali rapidamente.

Volto minha atenção para a menina, parecia refletir, desacreditada. Ficou um longo e constrangedor silêncio no lugar. Meu coração apertava ao ver as lágrimas solitárias escorrendo pelas bochechas da mulher. Eu não sabia o que dizer, não sabia se um abraço seria bem vindo ali, não sabia se ela queria ficar sozinha ou não. Como Carlos poderia simplesmente dispensar como um trapo velho alguém como Joana, eu nem sequer podia medir em palavras quão injusto aquilo era.

- O Rei está errado - para a minha surpresa foi ela quem quebrou o silêncio, enquanto limpava as lágrimas - Ele ainda precisa de mim, minha missão não está cumprida, eu não estou pronta para me aposentar da minha carreira militar, não agora, eu irei libertar Paris, com ou sem o consentimento do Rei! - ela falava com convicção.

- Isso não pode ser perigoso? - pergunto começando a me preocupar.

- Eu não tenho medo, nasci para fazer isso! - Joana D'Arc, a guerreira, estava mais viva do que nunca, com um sorriso determinado naqueles belos lábios.

Não conversamos mais depois disso, Joana parece ter tido muito trabalho naqueles últimos dias, não havia desistido da ideia de agir escondida de Carlos, parecia cada vez mais ter mais certeza de que queria aquilo na verdade.

Talvez ela quisesse provar que ainda era útil, coisa que Carlos não acreditava mais depois de tantas batalhas perdidas, para ele, alguém tão insensível, ela só era algo que estava trazendo despesas demais. Ele tentava cada vez mais afastar a menina das atividades militares. Aquilo era pura ingratidão na minha opinião, a pobre menina havia feito tanto por ele, aquilo não era justo! Como Carlos era cego de não perceber quão incrível Joana D'Arc era! Oras, ela era uma infinidade a mais que uma guerreira, era um universo inteiro de mistérios e perfeições imperfeitas, ela era tudo, mas eu temia que só eu enxergasse isso.

Não demorou para sabermos que a Donzela e o pequeno exército que havia decidido ir atrás dela tentaram tomar as cidades das mãos dos inimigos mas para meu desespero, foi uma tentativa falha e Joana foi capturada pelos borgonheses e, pouco depois, vendida para os ingleses. Eu tinha ouvido que a menina, ao descobrir que havia sido vendida para os inimigos ingleses, tentou suicídio se jogando da torre, mas graças aos céus ela não havia morrido com aquilo, por um puro milagre.

Porém eu sabia perfeitamente que estar viva não significava que ela estava bem.

Ela estava presa, nas mãos das pessoas que mais a odiavam e que certamente prezariam por seu mal. Seu caso havia sido confiado a Igreja, o problema era que era a Igreja do partido inimigo, eles iriam condená-la, isso era certo.

Eu não podia pensar na hipótese de Joana morrer, ela era tão jovem, eu simplesmente não podia a perder, não assim, alguém precisava salvar ela, simplesmente precisava. Joana D'Arc não poderia morrer, era inacreditável que a Donzela de Orléans, a Virgem de Lorena, partiria para sempre. Eu me negava a acreditar naquilo. Eu não podia perder ela sem nem sequer dizer um adeus. Eu precisava agir já que ninguém mais parecia disposto.

Invisível - A paixão secreta de uma rainhaOnde histórias criam vida. Descubra agora