Capítulo 4 - O diretor

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- Libertatem, a vida de um homem não é nada sem sua liberdade. - Todo dia antes da primeira aula, todos na escola eram obrigados a se enfileirar no pátio e repetir o lema do país várias vezes. - Libertatem, a vida de um homem não é nada sem sua liberdade. - Os alunos pareciam soldados mirins com uniformes idênticos a vestes militares. - Libertatem, a vida de um homem não é nada sem sua liberdade. - "Mentira" Felipe pensava, mas queria era mesmo gritar, o lema do país lhe causava raiva e ódio. - Libertatem, a vida de um homem não é nada sem sua liberdade. - O olhar de Felipe localizou Larissa na fileira ao lado. - Libertatem, a vida de um homem não é nada sem sua liberdade. - A boca dela se mexia, mas ela parecia não estar dizendo o lema. - Libertatem, a vida de um homem não é nada sem sua liberdade. - Ela estava fingindo, Felipe soltou uma breve risada ao perceber isso, alguns o olharam, mas ele disfarçou e tornou a repetir a frase como os demais.

Depois da frase era hora de cantar o hino nacional, ou como era chamada: A música da liberdade:

"O pensamento nos escraviza

Com idéias tolas de igualdade

Mas nosso trabalho nos realiza

o pão desponta no dia da Liberdade


Libertatem! Libertatem!

Abre as asas sobre nós.

Libertatem! Libertatem!

Vem e seja nossa voz.


Cantai à pátria, de nossa Liberdade

Por Libertatem vamos marchar!

Nossa pátria guardiã da verdade

Nossa Libertatem vai despertar!"


Felipe não podia acreditar em quanta hipocrisia existia no hino nacional, antes cantava o hino com orgulho, agora as palavras pareciam pesadas em sua boca.

Após todo esse protocolo finalmente podiam ir até as salas de aula, Larissa assim como se outras meninas entraram primeiro na sala, Felipe passou por ela em silêncio, queria conversar com ela, mas não podia. Não era proibido conversar com um colega na sala de aula, mas se o fizesse seria convidado a se retirar, e se se recusasse, seria gentilmente arrastado pelos militares, definitivamente não era uma boa ideia.

Felipe se sentou, pensando em como poderia falar com Larissa sem sofrer punição, estava tão distraído que só percebeu o general na frente da sala quando começou a falar:

- Vejo que estão todos aqui. - O general sorria de forma estranha. - Vocês devem estar se perguntando quem sou eu? Eu sou o novo diretor. - Ninguém ousou fazer barulho, nem mesmo com a respiração. - A diretora antiga era muito boazinha com meninas que faziam perguntas impróprias. - Todos olharam para Larissa. - As coisas vão mudar por aqui, alguma pergunta?

Larissa se encolheu claramente intimidada. Todos a observavam. Felipe queria fazer alguma coisa para ajudar ela. E num ato impensado ele levantou a mão. Todos viraram-se para ele, inclusive Larissa.

- Pois não. - Disse o diretor sem se alterar.

- Po...se.. - Felipe gaguejava nunca havia perguntado nada antes em sala de aula, seus pensamentos estavam confusos, não sabia o que perguntar.

- Po o que? - O diretor sorria parecia estar se divertindo as custas do garoto.

- Po..Po.. - De repente se lembrou da sua viagem até a casa do avô e uma pergunta veio a sua mente e sem respirar falou rapidamente. - Porque há tantos postos militares? - A Pergunta pareceu pegar a todos de surpresa. O diretor levantou a sombrancelha, coçou a barba antes de responder:

- Boa pergunta, vocês são muito jovens para lembrarem. Antigamente havia vagabundos andando de um lado para o outro, emporcalhando nossas ruas e roubando cidadãos de bem, por isso existe postos militares. Você não quer vagabundos sujando a rua ou te roubando ou quer? - Felipe fez que não com a cabeça. - Mais alguma pergunta? - O general completou, houve um silêncio geral, e o general continuou:

- Vocês devem saber que tudo o que nós fazemos é para o bem de vocês. - O general coçou a barba de novo. - Mantemos vocês longe de vagabundos mentirosos que querem corromper vocês com mentiras fantasiosas sobre o passado. - Felipe esbugalhou os olhos, o diretor não olhava para ele diretamente, mas sentiu que ele podia ler sua mente.- Aqui nós somos seus amigos, lembrem-se disso, aqui vocês são livres. - Felipe sentiu o corpo queimar. - Não acreditem no que alguns velhos dizem, eles estão ficando malucos. - O estômago de Felipe se revirou, ele sentiu uma dor de barriga imensa que piorava a cada palavra daquele diretor que alguma maneira estranha parecia falar diretamente para ele.

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