------------Ponto de vista da Caitlyn------------
As nuvens carregadas encobriam totalmente o céu àquela altura da noite. Ao longe conseguíamos ver as descargas luminosas que, pela velocidade dos ventos, não demoraria a chegar até nós. No entanto, enquanto as primeiras gotas de chuva começavam a cair, nós tínhamos uma preocupação muito maior em mente.
- ‘’O que é aquilo Caitlyn?’’.
- ‘’Aquilo o quê?’’
- ‘’Aquilo ali, se mexendo na moita, olha. Não tá vendo?’’
Instintivamente, engatilho meu rifle e dou um tiro em direção às folhas que se agitavam violentamente. Então salta o vulto do que parecia alguma espécie de animal, mas não consegui identificar o que era por causa da escuridão. Entretanto, uma coisa aterrorizava minha mente: não parecia com nenhum dos que Jax havia descrito.
Ergui a segunda lupa do rifle - de visão noturna - e tentei acompanhar a criatura com os olhos, mas era muito rápida. Muito mesmo. A única coisa que conseguia enxergar era um crânio de cervo que parecia ter sido tirado de um filme satânico em sua cabeça e uma pelagem grossa, suja de sangue. Atravessava as árvores com uma facilidade tão grande que pensei que poderia ser o macaco que atacara mais cedo. Mas não podia ser, era pequeno, mais ou menos do tamanho de um cachorro de porte médio. Vi, que já havia pressurizado suas manoplas, saiu à toda velocidade usando o vapor como motriz enquanto eu tentava acertá-lo com tiros, mas ele estranhamente parecia saber quando eu atiraria e desviava.
De repente, ele simplesmente para nas sombras. Vi, que não esperava nenhum pouco por aquilo, não podia simplesmente frear, mas nem precisou porque das sombras onde estava a criatura saiu um objeto brilhante, que encaixou nas pernas de Vi como se fossem um gancho, derrubando-a. Rolou por alguns bons metros até bater as costas numa árvore. Olhei pra cima e, graças à lupa de visão noturna, consegui ver o objeto: um bumerangue que logo voltou às trevas de onde tinha saído.
Mirei para o lugar onde o bumerangue tinha voltado e, ao colocar o dedo no gatilho, um sentimento ruim invadiu meu corpo. Pior do que na primeira vez, agora todos os arbustos ao redor mexiam-se, criando um barulho aterrorizante. Saíram dos arbustos um grupo de mais ou menos quinze indivíduos, talvez mais. Todos tinham uma tonalidade alaranjada, eram bípedes e tinham uma pelagem densa, desproporcional ao seu tamanho. Éramos apenas eu e Vi contra aquele exército. Mas tínhamos de vencer, ou voltaríamos comida praqueles bichos.
Os ataques vinham de todos os cantos. Eles nos atiravam paus e pedras, tinham garras grossas e afiadas e uma agilidade impressionante. Nossa estratégia foi deixar Vi com a defesa usando suas manoplas enquanto eu os prendia com minhas redes e atacava. O que mais me estranhava naquilo tudo era que aquele que nos atraiu não atacava. Ele ficava parado, observando estaticamente.
Já tínhamos dado um jeito em quase todos eles quando o que parecia ser o líder do bando resolveu agir. Ele partiu para cima de nós com uma velocidade incrível. Vi tentou acertá-lo com um soco, mas ele agilmente desviou e, usando seu braço como impulso, pulou em minha direção. Desviei atirando uma rede para a direita, fazendo com que eu me impulsionasse para o lado oposto. Não satisfeito, atirou seu bumerangue, mas Vi entrou na frente e o bloqueou. Saíram faíscas de suas manoplas, além de ter deixado um arranhão profundo no metal. Não sei o que seria de mim se tivesse me acertado. Finalmente foi nossa vez de revidar. Vi encaixou um soco que o fez voar e deixar a marca de seu pequeno corpo numa árvore próxima. Seus olhos ficavam cada vez mais vermelhos, e sua pele também. Do alaranjado característico passou para um vermelho-sangue muito forte. Seus olhos brilhavam um brilho assassino.
Prendi-o na árvore com muitas redes e achei que o problema estava resolvido, mas achei errado. Aquele pequeno animal em questão de segundos se transformou em um monstro enorme, com braços da grossura das árvores. O crânio que antes ocupava boa parte de sua cabeça agora parecia um chaveiro, seus dentes cresceram, engrossaram e curvaram-se, tal como um tigre-dente-de-sabre. Tinha cheiro de sangue seco e carne pútrida. Como se tirasse um palito de dentes preso num isopor, arrancou a árvore na qual havia sido jogado e nos atacou com ela. Se não fosse Vi com suas manoplas para segurar aquilo, estaríamos mortas agora. O medo tomou conta de mim.
- ‘’ Será que esse é o monstro que estamos procurando?’’, pensei.
Vi estava lutando praticamente sozinha contra aquele monstro. Meus tiros pareciam não surtir efeito nele graças à pelagem densa, capaz de encobrir facilmente qualquer uma de nós. Percebemos que não teríamos a mínima chance contra aquele dinossauro, então fizemos o mais intuitivo e saímos correndo o mais rápido que conseguíssemos. Depois de um bom tempo correndo, um pensamento passou pela minha cabeça e, na hora, tremi. Minhas pernas ficaram bambas e senti meu coração mais acelerado do que nunca.
- ‘’V-Vi... Onde é que nós estamos?’’, perguntei gaguejando.
- ‘’Ai meu Deus... ’’.
Não sei o porquê, mas aquela resposta não foi animadora. Senti mais medo nesse momento do que quando aquela coisa pulou em minha direção com sede de sangue nos olhos. O que seria de nós agora? Perdidas à noite com um monstro gigante correndo atrás de nós...
Quando tivemos o mínimo de segurança de que havíamos despistado aquela coisa, seguimos andando até que algo no meio do caminho nos fez parar. Tive uma sensação estranha... não estava mais sentindo o chão debaixo dos meus pés. E descobri o porquê. Havia um buraco ali! Senti o vento bater contra meu queixo enquanto caía e esperava a morte, mas algo me segurou. Era Vi. Havia conseguido me alcançar com suas manoplas, puxou-me e me prendeu contra seu corpo.
- ‘’Você está bem? Por favor, Caitlyn, não me assuste assim nunca mais!'’.
Um abraço. Depois de jogar meu coração num labirinto de confusões com aquelas palavras, aquele abraço era tudo que eu >não< precisava. Senti-me segura e aquecida, mesmo com a chuva gelada da noite caindo. Minha única reação no momento foi permanecer imóvel, em choque. Eu não sabia se retribuía o abraço ou se a empurrava pra longe. Tudo estava rodando em minha cabeça e aqueles pensamentos estavam me dominando de novo.
Pelo jeito, deu certo. Abracei Vi e ficamos paradas por algum tempo até nos recuperarmos do susto. Separamos nossos corpos e ela me olhava com aqueles lindos olhos azuis e, como se não bastassem meus pensamentos, meu corpo também me traiu. Como fosse empurrada, me joguei contra Vi e beijei-a. Um turbilhão de sentimentos tomou conta de mim. Era tão bom, mas por algum motivo eu me sentia tão errada. É tão contra-intuitivo... por que é tão bom e eu me sinto moralmente condenável? Abria os olhos a todo momento pensando que ela talvez ficasse com raiva e me rejeitasse, mas não foi o que aconteceu. Parei o beijo assustada com o barulho de suas manoplas abrindo e dando liberdade às mãos fortes que, como se soubessem de cor o caminho, dirigiram-se à minha cintura, e então ela me apertou contra seu corpo. Retomamos o beijo, e por mais que estivéssemos perdidas, molhadas, completamente vulneráveis e desarmadas no meio de uma floresta sinistra, não havia nenhum outro lugar que eu gostaria de estar.
Afastamos lentamente nossos rostos, a chuva escorria por seus cabelos que molhados pareciam ainda mais rebeldes. Era hora de se preocupar com achar um abrigo e comida, mas antes...
- "Me desculpe. Eu agi por impulso e..."
- ‘’Não precisa se desculpar... eu tenho uma impressão muito forte de que se não tivesse sido você a fazer isso, eu teria feito’’.
Pensamos juntas e nos lembramos do ponto de encontro que havíamos estabelecido se nos perdêssemos. A árvore milenar que ficava no meio da floresta. Seria um caminho longo e difícil, porém com Vi ao meu lado, sinto que conseguiria enfrentar qualquer desafio! Não por estar gostando dela, óbvio, até porque isso é loucura. É só porque ela é forte.
Como primeiro desafio precisávamos arrumar um lugar pra dormir. Por sorte achamos uma caverna que poderia nos servir de abrigo contra a chuva e dentro dela haviam alguns galhos secos que usamos para acender uma fogueira contra os animais da floresta. Teríamos de dormir no chão esta noite e acordar cedo pra que pudéssemos chegar à árvore o mais rápido possível. Encostei minha cabeça no busto de Vi e adormeci enquanto ela fazia carinho e passava a mão pelos meus cabelos.
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Os contos de Caitlyn.
FanfictionO percurso da vida de uma garota como outra qualquer, enfrentando dilemas morais e suas próprias contradições. Um misto de ação, autoconhecimento, romance e filosofia.