1 Mauro

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— Quem é a garota, nunca a vi aqui? Tem carteira assinada? — apontei para a jovem negra que segurava seu facão com dificuldade.

Seus cabelos negros balançavam, ao ritmo dos seus gestos, um chapéu cobria parte do seu rosto pingando suor, e que se contorcia a cada corte, com a força exercida. Suas roupas largas demais para ela, apesar de velhas e roçadas, ainda estavam limpas, indicando que faziam poucas horas que laborava.

— Não. É filha de um dos trabalhadores.

— E o que ela faz aqui?

— O pai da garota adoeceu e ela nos implorou para ocupar seu lugar até ele recuperar. São de uma família humilde.

— Mande ela para casa. Não quero ser pego por uma fiscalização, tendo gente trabalhando ilegalmente aqui no canavial.— ordenei.

— Senhor, a garota é teimosa.

— Está com medo de enfrentar uma garota, Miro? — chegava até a ser irónico. Um bruta montes como Miro, de 1,90 metros, que pesava mais que 100kg, estar com receio de dar ordens a uma garota franzininha como aquela.

— Claro que não, senhor. — falou firme.

— Então faça seu trabalho.

— Tudo bem. — fechou a cara.

Me afastei, observando os demais trabalhadores. Haviam mais de 150 e homens e mulheres, trabalhando nos meus canaviais.

O trabalho de um cortador era árduo, que exigia grande preparação e força física, pois requeria a execução de movimentos vigorosos, rápidos e precisos com o facão. Estar debaixo do sol abrasador, por horas a fio, fazendo sempre os mesmos movimentos era duro e por vezes atroz.

Alguns deles chegavam a ganhar cãibras, ficando de tal forma travados, que os impossibilitava de se moverem, e de trabalharem por algum tempo. Outros ficavam queimados do sol, ou desidratados.

Em alguns dos canaviais, os trabalhadores, nem mesmo água tinham à disposição, para irem matando a sede e se hidratarem. Eu sabia bem o quanto o trabalho era árduo e custoso, pois eu mesmo tinha provado dessa amarga vida, quando mais jovem como cortador de cana. E pelo menos água potável, com abundância eu tinha à disposição deles.

— Senhor. — uma voz feminina e delicada me chamou. Me voltei encarando a mesma jovem que tinha observado mais cedo.

— Sim. —  o suor escorria pela sua testa, e a sua respiração estava ofegante.

— Me deixe ocupar o lugar do meu pai, por favor. Tenho um irmão pequeno para sustentar.

— Garota, você não dará a produção necessária no corte. Isto não é moleza, e vi que não tem hábito neste trabalho. — reparei em sua mão delicada sem a luva. — Precisa de pelo menos, dar conta de 5 toneladas de cana. — dei um valor bem mais baixo, do que a maior parte da produção que meus cortadores davam, que chegavam na sua maioria às 12 toneladas, para fazê-la entender que aquilo não era para qualquer um.

— Me dê uma chance, de provar que eu posso fazer isso, até ao final do dia, por favor.

Seus olhos cor de café, me fitavam suplicantes. Em sua voz havia desespero. Eu não gostava de ser contrariado, mas os olhos pedintes e esperançosos, da garota que deveria ter a mesma idade da minha filha, me estavam deixando angustiado. Só de imaginar que poderia ser Sofia, no seu lugar, eu me sentia abalado.

Felizmente, a muito custo e suor, eu consegui construir meu próprio negócio, e meus filhos nunca tiveram necessidade de sujar as mãos no trabalho árduo do corte da cana de açúcar. Se bem que, vendo o rumo que meu filho Luan estava levando, talvez um pouco menos de regalias lhe tivesse feito bem.

Zuri ( 3/1/ 22 data de retirada ) Corre que ainda dá tempo! 🏃‍♀️💨Onde histórias criam vida. Descubra agora