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"Quando você fala com o outro lado, você nunca sabe quem estará ouvindo" Ouija - Origem do mal

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[P.O.V Louis]

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Acordei naquela manhã, após ter sido vencido pela exaustão, com um sentimento peculiar de abandono. Não possuo certeza alguma de adequação deste termo à minha atual situação, mas eu senti abandono. Pela primeira vez em algum tempo, eu não me sentia observado pelos cantos. Pela primeira vez eu desci as escadas até a sala e não havia nada fora de seu devido lugar, ou a sensação intermitente de ter alguém me olhando pelas brechas. Eu certamente devia comemorar por isto, mas estranhamente, não era felicidade que me consumia, era solidão. Mais uma vez me vi refém do sentimento que mais tenho tido durante esse tempo: frustração.

O restante daquela madrugada passou como um apagão em minha mente, dormi como um bebê por lindas horas, mas tinha completa certeza do que vi. Preparei meu nescau cereal, pois sou um garoto radical, e sentei-me de frente para a TV, ligada no canal da Cartoon Network, como de costume, não podendo evitar as lembranças de Hey Jude sendo tocada na mesma tela. Todos os meus pelos se arrepiaram ao lembrar daquela mão em meu ombro, ou daquelas memórias tão vívidas em minha cabeça.

Eu estava à beira de um colapso, lidando sozinho com tudo isso, pelo simples fato de ser um covarde. Eu não posso contar nada disso pros meus únicos amigos, pois tenho medo de acabar abandonado nesta casa, sem sequer receber as visitas deles. Eu estou exausto, física e mentalmente, sinto que dia após dia, venho perdendo minha sanidade. Este lugar me consome um pouquinho a cada hora que passo nele.

Era domingo à tarde. A sensação de estar sozinho dentro da minha própria casa já havia me abandonado e trazido de volta a costumeira presença ao meu redor. Eu estava de folga, Zayn e Eleanor, trabalhando. Mais uma vez, eu estava preso aqui. O que eu podia fazer, além de ir visitar sr. Thomas? Acho que não muita coisa, as opções não me pareciam tão atrativas. Fui até a casa do idoso mais fofo que conheci, bati, chamei, mas ele aparentemente não estava lá. Deve ter ido passear, pois diferente de mim, ele todo dia parece estar no melhor dia de sua vida. Gosto verdadeiramente da boa energia que ele emana. Caminhei um pouco até voltar novamente para meu covil e lá fiquei.

Nada passava na TV, livro algum estava me interessando, nem sequer um flerte nas redes sociais. Aquela tarde estava lotada de vazio e melancolia. Após adormecer no sofá por cerca de quinze minutos, constatados ao conferir o visor do celular, algo parecia me levar para o sótão. Sendo guiado por algo que nem faço ideia do que seja, subi os longos lances de escada vagarosamente até lá, passo a passo, sentindo meu peito se apertar em uma agonia já muito conhecida por mim.

Pareci levar uma eternidade até o último cômodo, e quando finalmente pude olhar para sua porta, um detalhe prendeu minha atenção: havia uma plaquinha branca, feita de um material amadeirado, composta por letrinhas azuis, que formavam as palavras "sala de música". Passei eternos segundos observando aquilo, até então, tomar coragem o bastante para adentrar o local. Um dos meus maiores pavores é perder a capacidade mental de discernir o que é ilusão, do que é verdade...e naquele momento, acredito que perdi quase que por completo. Ao pisar dentro do ambiente, notei que não era o meu sótão. No lugar das habituais paredes brancas e manchadas de mofo, toda a superfície era coberta por um papel em um tom azul bebê, detalhado por pequenas bolinhas brancas. Era tão harmonioso, que por um segundo, me esqueci do medo que me entranhava até o cerne. Ao invés da estante, já empoeirada e coberta de livros, um violoncelo, substituindo minha escrivaninha, um piano...sendo tocado. De costas para mim, em uma postura invejável, um jovem homem dedilhava com maestria aquele instrumento pomposo. Suas mãos pareciam flutuar sobre as teclas, e eu repetia como um mantra em minha mente: "Não é real, isso não é real." Eu me sentia hipnotizado. O conjunto daquela figura tão jovial, que nem sequer parecia notar minha insignificante presença ali, somada ao som melancólico de Sonata ao luar, de Beethoven, pairando por todo o ar, compunham uma cena tão bela, que as sensações em mim, se misturavam. Lá no fundo, eu sabia que nada daquilo era real, sentia meus olhos me traindo, mas talvez, aquela falácia fosse mais doce e confortável que minha vida, então, permaneci. Os cabelos curtos, castanhos e brilhosos do garoto chacoalhavam ao passo que as notas tornavam-se mais frenéticas e a canção atingia um nível mais alto de...dor. Em algum lugar de mim, queria me aproximar dele, queria que olhasse para mim, mas ao mesmo tempo, tinha tremor ao pensar que tudo aquilo poderia desmoronar ou mostrar uma real face. O medo residia em mim, e no momento, era o que me comandava. A mamãe diz que uma casa é como um corpo, e que toda casa tem olhos, ossos e pele...e um rosto, talvez o sótão seja o coração da casa..não, o coração não, o estômago. Ele foi a sala de música daquele rapaz, é o meu cômodo de estudos, e me questiono quantas coisas a mais, já se transformou, de acordo com os desejos de quem morava aqui. Eu ali, era como uma criatura pequena sendo engolida por um monstro, e ele sentia cada movimento meu lá dentro. Desfrutei um pouco mais daquela açucarada mentira, até que o som estridente da campainha sobressaltasse o som melodioso do piano. Achei ser mais uma das peças que meu cérebro resolvera me pregar, mas caí em mim, quando o pianista olhara devagar para o lado, sinalizando que algo tirara seu foco. Desviei o olhar de forma abrupta para a porta, e quando voltei-me para a frente novamente, vi as paredes retornarem ao tom leitoso e envelhecido, a velha estante voltar ao seu lugar, e o garoto e seu instrumento, desaparecerem por completo, me trazendo uma sensação enjoativa e forte de angústia e ilusão.

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⏰ Última atualização: Jan 03, 2021 ⏰

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