Quando Millie Bobby Brown abriu os olhos naquela manhã, ela se deu conta de que dormiu em cima do seu roteiro. Novamente.Sua professora de teatro, Srta. Ryder, insistiu durante quase um mês para que a garota fizesse o teste para um dos papéis principais da mais ilustre peça de William Shakespeare, Romeu e Julieta — livro o qual ela já leu mais de cinco vezes —, o de Julieta. Ao aceitar, sob livre e espontânea pressão, não imaginou que seria tão cansativo treinar as falas; não que fosse sua primeira vez atuando, no entanto, estava acostumada com papéis pequenos, longe dos curiosos olhares da plateia. Na prática, passava mais tempo cuidando dos figurinos dos personagens e da decoração, do que no palco em si.
Fixou o olhar no relógio em formato de walk-talk no seu criado-mudo e checou o horário; 07h00. Levantou-se, suspirando, e logo ajustou um disco de vinil da Tears For Fears em sua vitrola — presente de Natal da vovó Jane. Everybody Wants To Rule The World soou por seus ouvidos, incentivando-a a dançar até o banheiro para executar sua fiel rotina matinal.
Welcome to your life
There's no turning back
Even while we sleep
We will find you
Acting on your best behavior
Turn your back on mother nature
(Bem-vindo à sua vida
Não há volta
Mesmo quando dormimos
Nós iremos te achar
Agindo da melhor maneira
Dá as costas à mãe natureza)Para Millie, o dia só começava quando havia alguma música para ouvir.
Everybody wants to rule the world
(Todos querem mandar no mundo)O sabonete acompanhou os movimentos enérgicos dela no banho; a água quente deslizou por todo o seu corpo, retirando quase — quase — todo o cansaço da madrugada, na qual, além de praticar as expressões faciais de Julieta por horas-a-fio, estudou para a dificílima prova de química que haveria na terceira aula.
It's my own design
It's my own remorse
Help me to decide
Help me make the most of
Freedom and of pleasure
Nothing ever lasts forever
(É o meu próprio desejo
É o meu próprio remorso
Ajude-me a decidir
Ajude-me a aproveitar o máximo
Da liberdade e do prazer
Nada dura para sempre)Everybody wants to rule the world
(Todos querem mandar no mundo)Brown arregalou os olhos, cedendo em uma risadinha e desligando o registro do chuveiro ao lembrar-se de que precisava estar no colégio em menos de quinze minutos. Enrolou-se em uma toalha e rodopiou pelo quarto em busca de uma roupa quente o suficiente para o inverno rigoroso de Londres.
Devidamente vestida, firmou sua mochila nas costas e saiu apressada, descendo cautelosamente os degraus da escada — quando criança, torceu o tornozelo uma ou duas vezes os pulando, portanto todo cuidado era pouco.
Estava a prestes a tocar a maçaneta da porta quando ouviu a costumeira advertência. — Mills, querida, não saía sem tomar café da manhã!
Grunhiu em frustração e caminhou rapidamente em direção a cozinha; sua mãe, Kelly, fritava ovos e tiras de bacon, enquanto seu pai, Robert, com os pés apoiadas preguiçosamente na mesa, assistia ao jornal matinal. Ela enrugou o nariz e desferiu tapinhas nele, obrigando-o a se endireitar.
— Mãe, estou sem fome.
— Não me venha com essa, moranguinho. — Kelly apertou a nariz da filha, que enrubesceu, constrangida pelo apelido de infância. — O café da manhã é...
— A refeição mais importante do dia. — Millie completou, trocando um olhar de cumplicidade com o pai. — Prometo que almoço no colégio, ok? Tchau, tchau. Amo vocês.
E não esperou respostas; correu para fora de casa, subindo em sua bicicleta e reiniciando a música em seu walkman. Logo Blondie prendeu sua atenção, distraindo-a do vento cortante e do longo caminho.
🎭
Se Brown não decidisse parar de pedalar a bicicleta para responder uma mensagem de Sadie, uma de suas melhores amigas, Louis Partridge e ela teriam se esbarrado na diretoria, aonde ele estava desfrutando de uma seríssima conversa com o diretor do colégio, Sr. Harbour.
Quando Louis parou de frequentar as aulas de teatro, não imaginou que as consequências seriam tão severas — porquê, qual é, são só aulas de teatro, ele pensou.
— Não entendo o por que de ter tantas faltas somente nessa disciplina.
— Talvez seja algum erro no sistema. — ponderou falsamente.
Inconscientemente, as lembranças brotaram em um pequeno filme na mente de Partridge; passeios em lanchonetes, lojas de música, pistas de skate, entre outros incontáveis lugares que ele visitou quando deveria estar na sala de teatro.
— Duvido muito, Partridge. Não há erros no meu colégio.
Ele mordeu a língua e assentiu, sorrindo sarcasticamente e controlando-se para não deixar escapar piadinhas em relação a calvície de David Harbour.
— Posso ter perdido algumas aulas por estar com uma virose. Aliás, tenho atestados médicos.
Atestados médicos falsos, claro, acrescentou mentalmente.
Viagens de trem em cidades vizinhas, sessões de videogame, shows; ele precisou prender a respiração para conter uma crise de risos.
— Desconfio de que esteja mentindo, afinal, viroses não duram por meses, — Louis estremeceu, sentindo o chão sumir por alguns segundos. — No entanto, não tenho como comprovar minhas suspeitas perante aos atestados médicos.
Inclinando a cabeça, Partridge observou o relógio na parede. 08h30.
Estava ali desde 07h30, sonolento, faminto e com os joelhos e cotovelos esfolados pelo asfalto por acidentes com seu skate.
— Com todo respeito, Sr. Harbour, — entortou o sorriso, exalando ironia. — Mas desse jeito vou acabar ultrapassando o limite de faltas em outras disciplinas.
Louis Partridge e sua boca grande; fechou os olhos e repreendeu-se mentalmente, pressentindo a catástrofe que estava prestes a chegar quando constatou que Harbour estava vermelho como um tomate. Um tomate gordo.
— Estava pensando em deixar passar, já que você é um ótimo aluno, Partridge, — merda, merda, merda. — Mas sabe que não toleramos qualquer grau de desrespeito neste colégio.
Merda, merda, merda, era apenas o que Louis conseguiu pensar.
Após minutos em silêncio, David decretou. — Detenção até o baile de formatura.
Partridge segurou-se para não se desmanchar em alívio, pois imaginou que seria suspenso. Ou pior: reprovado por falta.
Sua alegria, todavia, durou menos do que dez segundos; Srta. Ryder, professora de teatro, adentrou a sala segurando um cartaz de alguma peça, que, forçando a visão, ele percebeu que era Romeu e Julieta. Seu estômago revirou-se quando o Sr. Harbour seguiu o seu olhar, esboçando um sorriso de orelha à orelha.
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Romeo and Juliet
FanfictionLouis Partridge nunca reparou no fato de que Millie Bobby Brown andava sempre com algum livro clássico nos braços, um roteiro amassado nas mãos e os lábios cheios de gloss labial sabor morango até ser obrigado a fazer o teste para o papel de Romeu...