Hoje eu faço sete anos.
Vovô segura uma de minhas mãos, me guiando enquanto um pano tampa meus olhos, uma surpresa de aniversário, adoro surpresas!
A umas semanas atrás ele me fez uma pergunta, meio duvidosa, se eu tinha responsabilidade o suficiente pra ganhar algo que precisasse de cuidado e de dedicação. Então disse que sim, várias, várias vezes.
Naquele dia não consegui dormir muito bem, porque já imaginei o que poderia ser.
Hoje cedo ajudei minha vó, Gilda, a fazer meu bolo, era do meu sabor favorito, nata e queijo, e quase troquei sal por açúcar. Nós duas sentamos na frente da TV, assistindo uma daquelas novelas onde as pessoas são muito dramáticas, um homem e uma mulher juntaram as bocas e tive que tapar meus olhos, era nojento.
Agora meus pés pisavam em algo diferente, consegui perceber o cheiro. Ele iria me levar pra cavalgar?
Na verdade não.
Vi minha venda ser tirada, e meus olhos se adaptaram ao local, era o curral, curralzinho. Quase não consegui vê-la atrás da pilha de feno seco, mas lá estava ela.
Pequeninha, igualzinha a mim, com os pelos caramelos, seus olhos negros brilhantes, como duas bolotas de gude me olharam, ir correndo mais perto. Empolgadissima!
⸺ MEU DEUS!
Vovô só conseguia rir, enquanto pula e gritava e ria.
Em um momento algo se passou pela minha mente, era realmente aquilo? Um filhote de cavalo. Era meu?
Encarei meu vô, Rolland, com aquela minha carinha especial, de olhos cintilantes.
⸺ É para mim?
Ele riu de novo, me fazendo ficar confusa.
⸺ Sim pequena Bê, a potrinha é sua. Feliz aniversário.
Um sorriso grandão, apareceu no seu rosto, daqueles bonitos e não consegui não pular para o seu colo, entrelaçando meus braços no seu pescoço.
Assim, sem perceber aquilo aconteceu de novo. Eu estava chorando, catarrenta, sem estar triste, o que era beeem estranho mas mesmo assim aquela água toda descia por meu rosto, até minha boca, e eu comia, era salgadinha.
⸺ Qual o nome dela? ⸺ perguntei, fungando.
⸺ Ela não tem um. Você pode escolher.
Pensei muito, muito. Meu rosto ficou grudento pelas lágrimas, que secavam. Então meu coração se encheu de um sentimento que doía um pouco.
Fazia um bom tempo que minha mãe não aparecia em nenhum dos meus aniversários, mas mesmo assim nesse momento lembrei dela, porque queria que ela tivesse aqui. Todos nós chamávamos ela de Ana, quer dizer, meus avós chamavam, mas meu pai, as vezes, chamava ela de, Anastasia Charlotte, seguido de um nome muito feio, que fui descobrir depois.
Ele também não aparece a um bom tempo, mas nem me importo. Não gosto dele.
Uma lágrimazinha desce pelo meu rosto, enquanto estou nos braços de vovô.
Então uma idéia. Talvez se colocasse o nome, quando mamãe chegasse, ficaria muito feliz, em saber que lembrei dela.
⸺ CHARLOTTE! ⸺ pulei pra fora e fui até ela, me abaixando ⸺ Charlotte, oi! ⸺ sussurrei baixinho.
Ela estava um pouco assustada, talvez por ter falado alto demais. Peguei um tiquinho de feno, com a minha mão e lhe ofereci:
⸺ Não precisa ficar com medo, Lotte ⸺ agora ela cheirava minha mão, ainda meio medrosa ⸺ Sou sua amiga, Bertha!
Então, ela lambeu, isso mesmo lambeu meu pé e cai no chão, com sua cosquinha áspera.
Desejei que mamãe voltasse rápido, que chegasse a ver Lotte pequena, e depois de um tempo grandona como eu.
Ela ficaria muito feliz que não esqueci dela.
Ela ficaria muito feliz se soubesse.
Mas como qualquer outro dia, mamãe não apareceu.
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EUDAIMONIA | Versify Series #01
RomanceEnquanto seu estômago se revirava com socos do passado, lembranças doces e amargas, que fugiram por entre seus dedos, a dor pressionava pelo seu âmago, engulindo o apagador, com tilintar do álcool nas veias. Bertha se viu forçada a tomar as rédeas...