Como prometido quando chego na sala, Mona está a minha espera, guardando os dois últimos lugares da fila para que eu conte o ocorrido de entre o segundo e terceiro horário. Quando passo entre as carteiras, fingindo de despercebida, consigo reparar o olhar corroendo meu corpo de cima a baixo, tento ignorar de primeira, mas quando me sento na carteira, virada de frente a minha colega de quarto, minhas costas ainda queimam. Ele está furando minha pele como ciclope sem seus óculos estranhos.
⸺ Então…? ⸺ uma de suas sobrancelhas se erguem, esperando que conte o ocorrido para que no final ela possa se gabar de ser uma ótima influência. O que não vai acontecer.
⸺ Bem…Não foi tão mal quanto eu esperava que seria.
Ela apenas nega com a cabeça, não gostando jeito que introduzi a conversa, mas de que jeito eu faria?
Penso em como poderia descrever o cenário traumatizante
⸺ Então eu segurei firme na base, indo e voltando com a cabeça, esperei que fosse o certo a se fazer mas provavelmente era como se estivesse ralando uma cenoura em um ralador industrial.
Antes mesmo que pudesse dizer a frase perfeita sobre descrição do meu primeiro boquete, Mona grita comigo, tentando me tirar da minhas próprias definições de como odeiei presenciar na pele um ato libidinosos.
⸺ EI, BERTHA!
Pisco algumas vezes e a vejo tencionar aqueles braços musculosos sobre o peito:
⸺ Quero detalhes.
Então os conto, desde que estava entediada pra caralho as uma da manhã, até o momento que peguei aquela lista escolhi um nome e entrei em ação. Obviamente fiz a escolha errada, pensei comigo mesma que deveria começar pelo mais fácil para acostumar minha alma puritana a nova vida, mas foi uma completa idiotice.
Depois de vinte minutos de troca de mensagens percebi o porquê de ele ser tão fácil, era chato e ocupado, e pela sua beleza mediana não valia a pena se esforçar, porém, não precisei, foi quase como se estivesse implorando por qualquer resquício de toque feminino.
No momento que quase me cegou com sua porra, foi como estourar meu limite, me espancar com arrependimento. Arrastei meus pés pelos corredores com os olhos ardendo, desejando com todas minhas forças que a era daninha encrustada na parede dos fundos do laboratório, o enrolasse nos blocos brancos. Em anos o garoto viraria uma espécie de estátua pornografica, com direito a plaquinha de lamentação, sobre terríveis tragedias em momentos tão frágeis, ou como sobre ser a porra de um virgem, nos leva a caminhos obscuros.
Mas, infelizmente, a vida não é tão fantasiosa.
De qualquer forma, sem a ajuda de plantas e força mental, minha boca ditou palavras que com certeza o fizeram ficar petrificado, naquele exato lugar, sem sequer conseguir subir suas calças.
⸺ Puta que pariu ⸺ sussurrou Mona, boquiaberta, apenas concordei com a cabeça ⸺ Você disse que não foi tão mal ⸺ fez careta ainda em negação.
⸺ Não foi ⸺ dou de ombros, reparando pelo canto do olho que Sr.Sten já adentrava a sala ⸺ Eu poderia ter arrancado aquela minhoca, que ele chama de orgão reprodutor masculino, com meus próprios dentes.
Minha colega de quarto arregala os olhos como se não esperasse uma fala dessas saindo de minha boca, nos entreolhamos por pouco tempo, até cairmos na gargalhada e Sten socar a mesa em busca de atenção.
⸺ Busco eudaimonia, acostumando a luz cativa, visão cega desfuncional, escuro que não há flacidez em tocar, nunca a encontro na mesmice.
Faltam apenas três minutos para o fim da aula, o senhor grisalho dita teatralmente, como de costume, a última estrofe de um livro de poesia que estamos lendo desde o começo da semana. É sombrio, triste e confuso, estou sempre sonolenta demais para me deixar chorar mas sei que meu subconsciente permanece melancólico, degustando cada palavrinha. Observo a tela de entrada de meu celular.
Dois minutos. Ele fecha o livro, o coloca sobre a mesa, olha seu relógio de pulso, questiona se alguém tem alguma dúvida. Silêncio.
Um minuto. Jenny levanta sua mão e quase me levanto pra puxar seu cabelo.
⸺ Sim, senhorita?
⸺ O que é eudaimonia?
Zero minutos e quase soco a mesa.
Meu coração palpita um pouco, dando aquele indício ridículo, minhas mãos tremem ate que eu cerre forte os punhos.
Não podemos sair antes que o professor se retire da sala primeiro, é uma das regras. Jennifer não é a porra de uma nerd, nenhuma dessas palavras se fixaram na sua pequena cabeça, ela é apenas uma burra curiosa, que esta fodendo com todos. Comigo.Preciso sair desse lugar, logo.
⸺ Ótima pergunta! ⸺ Sten está muito satisfeito, seu sorriso não nega ⸺ Eudaimonia é sobre conquistar melhores aspectos como ser humano, não só felicidade, mas virtude, moralidade e o mais importante um significado de vida. Todos nós conseguimos perceber que ao longo do livro, Kaira mostra várias faces do transtorno bipolar e da depressão, e como tudo é tão oscilante. Nesse texto em específico, que é o último, ela fala sobre buscar algo, buscar a eudaimonia, não só a felicidade, que é algo bem genérico que todos acham que pessoas com doenças mentais precisam, mas também um propósito, uma virtude, algo que a motive a sair desse breu. Mas no final, não consegue, ela se acostumou com a mesmice de ficar no escuro e mesmo que olhe pra luz, que deseje do fundo da alma, está cega demais para a encontrar, para sair disso.
Um silêncio ensurdecedor parecia ter se acoplado por toda Saints Fear, talvez por todos já terem ido a alguns minutos atrás, porém sei que o real motivo é que, Kaira Wills, uma escritora local, e nossa escolha de literatura dessa semana, se suicidou, e se pudesse chutar, instantes atrás nosso professor estava explicando literalmente o último de seus poemas.
Uma lágrima desce pelo meu rosto, se torna difícil respirar, não pela garota, mas sim por mim, mas uma daquelas ondas me adentra. O pânico, me açoita e estou perdida.
Eudaimonia.
Respiro fundo.
É um algo e tanto.
Meus olhos começam a enturvecer.
Espero que todos possam encontra-la, antes do fim.
Sou tomada pela escuridão.
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EUDAIMONIA | Versify Series #01
RomanceEnquanto seu estômago se revirava com socos do passado, lembranças doces e amargas, que fugiram por entre seus dedos, a dor pressionava pelo seu âmago, engulindo o apagador, com tilintar do álcool nas veias. Bertha se viu forçada a tomar as rédeas...