ÁRTEMIS

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Ochako acordou antes que o despertador pudesse soar. Conferiu a hora no relógio digital da cabine e percebeu que tinha alguns minutos antes de voltar ao trabalho. Amava ser mecânica aspirante a engenheira, mas desde o acidente no módulo agrícola, todos estavam ensandecidos com a quantidade de tarefas, e desanimados pela falta de notícias sobre o Regresso. Para dificultar ainda mais o cenário caótico, o Comandante exigia medidas cada vez mais severas de racionamento de suprimentos e de energia; módulos inteiros foram desocupados para não sobrecarregar o sistema de suporte à vida — responsável por manter a pressão atmosférica, nível de oxigênio, água, prevenção de incêndios e coleta de resíduos. Até a gravidade se tornara um luxo que só havia nas áreas de vivência da estação, em algumas cabines particulares e na sala de comando. Por sorte, podia dormir incrivelmente bem, sob os efeitos da gravidade, na cabine que dividia com Katsuki, seu namorado.

Aconchegou-se um pouco mais na cama que compartilhavam e encarou o loiro ainda mergulhado nos braços de Morfeu; podia sentir as mãos firmes dele em sua cintura, bem como a respiração leve de quem dormia tranquilamente. Ele normalmente acordava primeiro, porém o programa de pilotos havia intensificado nas últimas rotações. Hawks fazia simulações atrás de simulações, exigia todo o fôlego e vigor dos pilotos experimentais; apesar de não saber o que estaria por vir, Ochako sabia que isso era presságio de algo grande que afetaria o futuro de todos os remanescentes.

Mas, enquanto esse momento não chegava, ela aproveitava cada minuto que tinha ao lado de Katsuki. Ao vê-lo dormir tão sereno, muito diferente de seu comportamento durante as horas acordado, não resistiu em acariciar os cabelos loiros do namorado. Embora não tomassem uma chuveirada há duas rotações — por causa do racionamento de água — e estivesse ligeiramente oleoso, o cabelo curto permanecia macio. Desceu o carinho para o rosto, depositou um beijo delicado nas bochechas dele e, como se agradecesse o afago, sentiu Bakugou apertar o abraço, acomodando-se na curva do seu pescoço.

Se Mitsuki pudesse ver tal cena, diria que estavam presos em uma realidade paralela, na qual seu filho sofrera uma lavagem cerebral e fora dominado pelos encantos femininos de Uraraka. Sem dúvidas, ela riria do comentário, ele xingaria todos os palavrões conhecidos e iniciaria uma briga com a Sra. Bakugou, enquanto Masaru tentaria acalmar os ânimos. Ochako, aos vinte três anos, nunca imaginou que poderia amar tanto aquela dinâmica familiar, assim como amava o próprio esquentadinho com quem dividia, além da cama, o sonho de regressar à Terra.

Sonhava em pôr os pés em solo terrestre desde menininha. Adorava quando os pais liam os livros antigos sobre a história da humanidade; gostava de imaginar como seria viver nas diferentes épocas, da Expansão Marítima até a Idade Moderna, às vezes nas civilizações mais antigas também. Achava engraçado o empenho dos seus antepassados em tentar explorar o universo e desvendar os mistérios de outras galáxias, enquanto tudo o que ela queria era poder viver no planeta Terra.

Ela sonhava com o Regresso, porém seus pais não tinham o mesmo anseio. Nas histórias, eles sempre resaltavam o que de pior havia na raça humana: guerras, desastres, epidemias e a própria crise nuclear. Contudo, nada a fazia desejar menos o planeta, na verdade, acabou acreditando no que seu antigo comandante, All Might, pregava: eles poderiam fazer diferente. Por essa razão, durante a Grande Divisão, contrariando seus pais e parte de seus amigos mais próximos, mas com apoio dos Bakugou e de Mina — a única amiga de infância que lhe restava —, Ochako escolheu ficar.

Em hipótese nenhuma se arrependia da sua decisão, porém não podia negar que em alguns momentos a saudade doía. Suspirou triste com as memórias. Bom... no final das contas havia feito a escolha certa, porque ao escolher a Terra também escolheu ficar com Katsuki. Melancólica, mas contente, Uraraka depositou um beijo na testa dele e tentou se mexer um pouco na cama; queria afastar a respiração masculina de seu pescoço já que sentia cócegas, entretanto foi interrompida pelo som agudo do despertador.

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