Vinte e Quatro

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Precisei cobrir minha boca para abafar os soluços em meio ao choro, meu corpo todo tremia e eu me sentia sem rumo. Nada mais faz sentido. Levantei sorrindo amargo, sentindo o meu coração partido e sentindo que nada mais pudesse me fazer sentir mais dor do que a dor de ter sido deixado no escuro. O mesmo escuro que eu sempre tive medo.

Quando o intervalo chegou ao fim eu já havia conseguido controlar as lágrimas e dei uma passadinha no banheiro para tentar disfarçar o inchaço e a vermelhidão. Voltei para sala de cabeça baixa e senti a mão de Hyunjin segurar a minha, pronto para perguntar algo. Provavelmente ele já sabe, Jeongin deve ter dito à eles que escutamos os hyungs. Então só puxei a minha mão de volta, evitando até mesmo o ômega de cabelos azuis. Fiquei as últimas aulas com o rosto escondido entre os braços, debruçado na mesa, desejando ser tão invisível como as outras pessoas da escola acreditavam que eu sou.

Sabia que Jisung, Minho e Changbin iriam querer me levar para casa, mas eu conseguiria olhar nos olhos do alfa sem sentir que meu coração estivesse sendo arrancado do meu peito? Eu conseguiria fingir que não me incomodei com nada? Que não suspeitei de nada? Que eu não sei o que ele escondeu sobre mim?

A resposta foi não. O sorriso amargo e debochado surgiu em meus lábios no momento em que levantei a cabeça para olhar Jisung, notando a dor no olhar dele e o cheiro denunciando o medo que ele sentia. Medo de mim? Ri em escárnio, movendo minha cabeça em negação e rejeitando sua mão. Ele não tem que ter medo de mim, eu nunca o machucaria, não importa quantas vezes ele me apunhale pelas costas. Meu amor por ele não permite.

— Lix... — Ele chamou baixo, com a voz quebrada e eu senti minha visão embaçar, me forcei a engolir isso e manter o resto da minha dignidade. Lhe dei as costas e caminhei para fora da sala sozinho. Podia ouví-los me seguindo, mas não viraria para esperá-los ou eu desabaria novamente.

Eu senti meu corpo tremer e a dor se espalhar no momento em que meus olhos encontraram os de Minho, ao lado de Chanbgin e Yugyeom, nos esperando. A expressão do meio alfa mudou assim que me viu, saindo de preocupação para dor e arrependimento.

— Felix, vamos conversar, por favor. — A voz trêmula me desarmou, as mãos geladas segurando as minhas. Tive de respirar fundo para conter as lágrimas e não consegui confiar em minha voz para responder. Carinhosamente retirei minhas mãos da dele, movendo minha cabeça em negação. Eu não quero brigar. Eu não quero ceder. Vão me machucar de novo e de novo. — Me deixa, pelo menos, te levar para casa, meu gatinho.

— Eu quero distancia de vocês. — Consegui dizer com a voz carregada de mágoa, olhando nos olhos dele para ele tenha certeza de que não estou blefando. Ele assentiu, com os olhos marejados e segurando a mão de Changbin, já que Jisung estava atrás de mim.

— Volte para casa seguro. — O alfa desejou e eu sorri machucado, sem responder, segui sozinho para fora da escola. Não queria ir para casa e olhar nos olhos dos meus pais, sabendo de tudo que eles esconderam de mim. Não queria ter de entrar no meu quarto e sentir o cheiro de Minho e Jisung em cada canto.

Então andei sem rumo. Andei até minhas pernas começarem a doer, pedindo por um descanso. Não sabia em que canto da cidade eu estava e pouco me importei, eu quero ficar sozinho, me acalmar. Meu coração pedia para que eu fosse de encontro ao mar. E merda! Christopher sempre seria um sinônimo de paz para mim, afinal, o ele havia me protegido tantas vezes antes de me abandonar. Sentei-me em um banco de pedra em um parque que encontrei em meio a minha andança. Meu celular tocava, irritantemente e eu sabia que eram os meus pais me ligando, preocupados comigo.

Eu não procuraria ficar longe de casa se eles tivessem me contado sobre Yugyeom. Fiz a loucura de desligar o aparelho, passando a mão pelos meus fios ruivo-alaranjados, tentando controlar os meus impulsos. Tentando controlar o gato e o lobo dentro de mim para não ir atrás da, provavelmente, única pessoa que os acalmaria. Estava anoitecendo e eu ainda estava ali, perdido, sentado em um banco qualquer. Um homem alto, de terno preto, cheirando a tabaco mentolado, sentou-se do meu lado. Parecia um alfa e estranhamente familiar.

— Que surpresa te encontrar aqui, garoto. — O olhei desconfiado o homem mais velho com sorriso falso. — Lee Felix, certo? Não existem muitos híbridos de gato da vida do meu filho e nenhum deles foi coisa boa para ele.

O homem de cabelo grisalho e voz rouca, provavelmente por conta do fumo, me olhou e eu senti um arrepio percorrer meu corpo. "Não gosto dele." meu gato informou e bem, é unânime. Continuei em silêncio, esperando que o velho concluisse logo o que queria.

— Faça um favor para todos nós, criança, saia da vida dele ou as coisas podem não acabar bem, afinal, gatos foram feitos para usarem coleira. — Ele colocou a mão no bolso e tirou de lá sua carteira, pegando algumas notas altas e colocando em meu colo. — Se precisar, use um quarto de um dos meus hotéis, apenas entregue esse cartão na recepção do hotel. Apenas desapareça e deixe meu filho esquecer a sua raça imunda e o significado dela para si.

Então ele entregou um cartão preto, com o símbolo da rede de hotéis e "VIP" escrito em dourado, abaixo havia o nome dele. Bang Siwon. Da mesma forma que surgiu, o homem foi embora, me deixando sozinho com a minha bagunça, o dinheiro e o cartão.

Eu fiz o lógico, fui para a rodoviária, apenas com o uniforme da escola, documentos e a mochila. Lembrava-me de Jisung dizer sobre uma praia e cedi aos instintos. Comprei a passagem e esperei pelo ônibus.

Não, fugir não é a resposta para os meus problemas. Contudo, fugir significava dar um tempo para o meu coração se curar, para fazer o curativo nos machucados. Fugir significa deixar para trás tudo aquilo que me machuca. Não poderia ir para casa sabendo que Minho ou Jisung poderiam entrar no meu quarto livremente e ainda tendo que olhar na cara dos meus pais após eles terem passado dezoito anos escondendo o fato de que a família não é formada só por nós três. Entrei no veículo sem olhar para trás, deixando as lágrimas seguirem seu caminho por minha face e encontrarem o chão.

Não consegui descansar durante a viagem, ainda que também não conseguisse pensar direito. Porém fiquei repassando em minha cabeça o que havia acontecido. Não, Jisung não estava com medo de mim. O ômega está com medo de me perder. De ter de sair da minha vida. Bom, não é como se eu confiasse o suficiente para mantê-los. Não sei nem se confio mais no Hyunjin. Não tenho motivos para isso, certo? Todos eles sabiam. Sabiam mais sobre mim do que eu e se acharam no direito de esconder algo que não devia ser uma escolha deles. Era meu direito de saber sobre meu primo, sobre Chris.

Quando o ônibus parou e eu pude descer na cidade de Busan, sabia que não tinha mais volta. Aquele Felix que foi enganado por todos e machucado, eu o mataria.

Assim, caso eu voltasse para Seul, não teria amor que me fizesse voltar atrás, voltar para eles. Eu passaria esse tempo dando fim àquele Felix fraco, assim como sufoquei o indefeso Bokkie, e daria a volta por cima. Não permitiria que mais ninguém pisasse em mim dessa forma.

Nota mental: Não tem volta.

2402: A Era AlfaOnde histórias criam vida. Descubra agora