VINTE E OITO

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Lipe

— Como todos já sabem, o homossexualismo é crime em Grande Sunshine — O resto de aborto ambulante do nosso presidente disse. Tive que me controlar para manter a bunda na cadeira e não começar a militar ali mesmo. — A pena para um beijo é prisão perpétua, já para aqueles que cometem o ato sexual em si, é pena de morte quando se há provas. Sem direito a julgamento.

Ok. Era demais pra mim ouvir aquilo e ficar quieto.

— Isso é um absurdo! — Me levantei ao falar mantendo a pose, é claro.

Alguns olhares recaíram sobre mim e achei o máximo. Quem sabe assim aqueles cabeças ocas alienados entendessem que o presidente só falava bosta.

Eu tava esperando alguma pessoa sensata aparecer e ser a porta-voz do bom senso, mas já que ninguém se deu ao trabalho, eu mesmo teria que fazer esse papel.

— Primeiramente, se fala homossexualidade e não homossexualismo. — Joguei minha gloriosa franja loira para o lado com um movimento de cabeça. — Homossexualismo vem de doença e a única doença aqui é o seu preconceito.

— Quem você pensa que é para bater boca com o presidente? — Victor Tramontini se levantou, ajeitando aquela echarpe preta como se fosse uma espécie de símbolo da heterossexualidade. — Homossexualismo é doença. Não é a toa que estão legalizando a cura gay. Tem como reverter isso e se você fosse esperto, iria atrás da cura.

— E se você fosse esperto, teria notado que não dirijo a palavra a lixos feito você, Victor. — Semicerrei os olhos me controlando pra não arranhar a cara daquele macho escroto.

— Ainda assim... — Christian continuou, ignorando a discussão. É claro que ele faria isso. O presidente não aguentava ouvir a verdade. — Nosso governo segue de braços abertos para todos que têm ciência de sua condição e estão dispostos a mudar antes que seja tarde.

O embuste do Victor se sentou para o meu alívio. Ele não tinha que se meter. Meu assunto era com o presidente apenas.

— Existe uma cura e se quiser nos ajudar a encontrá-la, aconselho que liguem para o CCH (Centro de Cura Homossexual). Iremos ouvi-lo, ajudá-lo. Não julgamos quem está perdido e quer apenas se encontrar. — Revirei os olhos quando ele prosseguiu. — Se unirmos nossas forças, conseguiremos vencer essa doença que corrompe certas almas, arrastando nossos jovens para a perdição.

— A cura é tão real que você precisa de ajuda para encontrá-la — bufei reprimindo uma risada escandalosa. — O CCH foi a coisa mais idiota que você já inventou.

— Você quer ser preso? — perguntou Christian com uma tranquilidade que eu sabia que era uma fachada, assim como sua pose de hétero.

Me irritava o quão bom ele era em manipular os outros, em como aquela manada de pessoas simplesmente aplaudiam seus absurdos sem pensar na hipocrisia dele.

— Já vivo numa prisão de qualquer forma. — Acabei me sentando de novo. Desisti de tentar argumentar com alguém que pelo visto já nasceu sem cérebro. Seria uma discussão perdida e eu ainda poderia ser preso por isso.

Não valia a pena.

Me fiz de surdo quando Christian voltou a falar e senti meu belo rostinho de porcelana ficar ainda mais pálido ao ver Pietro ao lado do embuste. Ele estava como um soldadinho esperando a próxima ordem do patrão.

Nossos olhares se encontraram e senti meu coração disparando no peito. Quando percebi que ele ia sorrir, desviei o olhar.

Eu não queria um sorriso dele porque me faria lembrar de tudo o que eu não poderia ter.

***

Dei graças a Santa Madonna Lacradora quando saí do auditório. Meus ouvidos já estavam sangrando de tanta besteira que ouvi num dia só.

Eu ia apressar os passos, mas parei de andar assim que vi Alex lendo atentamente o folheto. Quando me ofereceram, fiz a maior cena e joguei na lata do lixo. Eu esperava que o Alex pelo menos se livrasse daquela porcaria também.

— Tá tudo bem? — perguntei, interrompendo sua leitura de propósito.

— Será que funciona mesmo? — Alex uniu as sobrancelhas.

— Não, não funciona. — Empinei o queixo e cruzei os braços. — A homossexualidade não é uma doença pra ter cura — repeti o que eu sempre dizia, já cansado de ninguém me ouvir. — Não tem nada de errado com você por amar o Erick.

— Se meu pai descobrisse, acho que ele me mataria. — Suspirou e fiquei mal por ele. Meus priminhos sofriam horrores por serem tão vinculados com o governo. — E também tem o irmão do Erick. Victor surtaria se descobrisse.

Só de ouvir o nome daquele idiota eu franzia o nariz devido a radiação.

— Victor é um covarde homofóbico que se acha o machão, mas é tão reprimido quanto o presidente — extravasei sem filtro algum. — Ele merece uns tapas na cara mesmo.

— Isso aqui pode ser minha salvação — insistiu, chacoalhando o folheto como se esperasse que eu enxergasse a esperança fictícia ali. — Posso ser normal.

— Você é normal, Alex. — Me esforcei para não soar rude e nem nada do tipo. — Isso... — Apontei para o folheto com ranço. — Só vai destruir você.

Alex assentiu devagar e quase dei pulinhos quando ele amassou o papel e o jogou no lixo porque pra mim significava que ele daria uma chance para a própria felicidade e em meio a tanta coisa tenebrosa que estava acontecendo, aquilo era uma boa notícia.

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