X - A Escolha de James

21 4 0
                                    


     No momento em que Amber terminou com Peter, James estava em uma das quadras do Clube Barrow, mas ele não estava jogando, estava simplesmente sentado no meio do chão azul, refletindo sobre o futuro. Até quando vou me permitir ficar cercado por uma família que me faz mal? Não devo a mim mesmo uma vida melhor?! Pensou. Por que é tão difícil se desvincular de algo que já não me leva para frente? Que só me atrasa...

     Ele já sabia que estar sob o mesmo teto que seu pai, Peter e sua mãe era uma perda de tempo, mas nunca deu o primeiro passo para sair disso. É claro que não era uma decisão fácil, mas ele sentia o efeito negativo de não fazer nada para mudar. Sentia até demais. 

     Como você faz para deixar uma vida que te é tão familiar? Era como se James já tivesse tudo definido quando era criança. Jogaria tênis, seria um profissional e teria tudo o que desejasse. Então chegou Peter, que se mostrou um verdadeiro talento no esporte, como se tivesse nascido para isso, e James, que tinha algumas dificuldades para aprender, foi deixado pelo pai, que preferiu focar toda sua atenção em Peter porque "ele sim tinha futuro no tênis". Os sonhos de James foram menosprezados pelo pai, e ele desistiu de se tornar um jogador profissional. Teve dificuldades para continuar jogando, mesmo que por prazer, porque o tênis só o fazia lembrar do fracasso que era. O tempo passou e James se inscreveu alguns torneios pequenos, começou a realmente se divertir com aquilo, mas sempre se sentia na sombra do irmão.

     James nem percebeu o tempo passar, e quando viu, o sol já estava se pondo por trás das altas montanhas de Freeze Mountains. Ficou mais um tempo no Clube, organizando cada bola e acessório que estava fora do lugar, não iria mais voltar. Decidiu que iria embora da cidade, começar uma vida nova, e tomou o tempo que precisava para se despedir do local onde passou maior parte da sua infância.

     No cair da noite, ele fechou o Clube e foi para casa. Pensou o caminho inteiro no que diria para seus pais, mas todo o diálogo que inventou em sua cabeça foi por água abaixo quando ouviu a voz de Peter, ecoando pela sala de TV escura, ao girar a chave da porta principal e entrar em casa:

     — Conseguiu o que queria, irmão?

     — Peter? — James acende a luz e vê Peter sentado em uma das poltronas beges da sala.

     Peter ficou em silêncio, devorando James com os olhos.

     — Não tenho tempo para esse tipo de brincadeira, Peter. — James tomou seu caminho para o quarto, mas Peter não o deixou nem subir as escadas quando disse:

     — Estou curioso. Você realmente queria Amber, ou isso tudo foi para tentar me desestabilizar?

     — O que você está dizendo? — James inspirou profundamente, voltando seu olhar para o irmão.

     — Ontem a noite, minha namorada, digo — ele fez uma pausa — EX namorada — engoliu seco — recusou meu convite para jantar, então achei que seria bom para mim treinar um pouco antes do próximo torneio. Então peguei o carro, e fui até o Clube...

     James percebeu onde o irmão queria chegar, e Peter se levanta para acabar de contar sua história, impondo-a a James.

     — ...e para minha surpresa, eu encontrei minha namorada naquela noite, mas ela estava — aumentou seu tom de voz — nos braços de outra pessoa.

     — Nos braços de outra pessoa? — James perguntou, ironicamente, em um tom de voz contrário do seu irmão. Calmo. — Nós estávamos apenas jogando, Peter.

     — E você bem que se aproveitou do momento para ensiná-la a segurar na raquete, não é? — A feição cínica de Peter fez James levantar sua guarda.

     — Você está louco. Você acha que a culpa dela ter terminado com você é minha? — Ele riu — Jogar a culpa nos outros sempre foi mais fácil para você não é, irmão? Não consegue enxergar seus próprios erros porque acha que é perfeito... Quer saber, Peter, nenhuma de suas namoradas soube quem você é realmente. A única que desconfiou da sua máscara de cavalheiro foi Amber, ela via como você me tratava, e sabia que isso não podia vir do mesmo cara que ela era apaixonada.

     — Não se atreva a falar de Amber...

     — Você sempre foi o namorado perfeito, até não ser mais.

     — Não era o que Ana achava quando te trocou por mim. — O silêncio reinou. — Você tem essa mágoa até hoje, não tem? Na verdade não só disso, mas pelo fato de eu ser melhor que você no tênis, de eu ganhar um torneio atrás do outro, sem ninguém conseguir me parar.

     — Você pode ganhar quantos torneios quiser, Peter, mas você nunca vai conseguir vencer sua arrogância, e isso vai acabar com você.

     — Sabe de uma coisa, James? Nada me impede de acabar com você agora. Não só pela Amber, mas por tudo o que me fez passar.

     — Tudo o que EU te fiz passar?! Você acabou com minha chance de ser um jogador profissional, Peter, ABRA OS OLHOS. — Sem perceber, James começou também a ficar agressivo. — O QUE EU TENHO QUE VOCÊ NÃO TEM?! — O silêncio tomou conta por um segundo, até James continuar. — Ah, eu sei, você não tem a mesma decência que eu — ele começou a se aproximar devagar do irmão — não tem o mesmo caráter — cada vez mais perto... — e nunca vai ter o amor de pai, QUE EU TINHA antes de VOCÊ chegar. Para ele você é só um jogador, não é um filho. — O nariz de James estava tão próximo do de Peter que eles estavam prestes a se tocar. 

      Peter não conseguiu segurar sua raiva, e seu ressentimento, do que James havia acabado de dizer. Fechou sua mão direita e canalizou tudo o que estava sentindo em um soco que deu no irmão, que caiu para trás, quebrando um abajur de vidro que estava em cima de uma mesa de centro.

     Apoiado na mesa, ao lado do sofá, James respirou fundo, e se endireitou devagar.

     — Eu não sou você, Peter. Não espere de mim as mesmas atitudes.

     Os pais deles chegaram em casa no meio da comoção. A mãe gritou com Peter pelo soco que deu no irmão, e o pai foi tentar interferir, mas nenhum dos dois o deixou.

     — Você é o motivo disso tudo pai, sua ganância destruiu sua família. — Peter disse.

     A mãe tentou defender o pai mas James a cortou na hora:

     — E você deixou isso acontecer, mãe. Você via tudo, e nunca disse nada. Nunca teve coragem de enfrentar o pai, nem mesmo pelos seus filhos, e você sabia o quanto a gente sofria, o quanto a gente ainda sofre. Então não ouse bancar a mãe protetora agora, você é igual a ele. E eu só espero que Peter também consiga se livrar da toxidade dessa família assim como eu, senão ele vai se tornar a mesma pessoa que o destruiu. — James deixa a casa, sem nem sequer pegar uma peça de roupa. Ele tinha dinheiro o suficiente em sua conta (que o avô, já falecido, havia criado para ele) para ir para onde quisesse.

     Entrou em seu carro, olhando uma última vez para as pessoas que já não reconhecia mais como  família, e foi embora.


Montanhas GeladasOnde histórias criam vida. Descubra agora