Capítulo 3 - O último dia

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Finalmente o fim de semana chegou. O espetáculo começa às quatro da tarde e são duas, por isso fomos logo para a Casa da Ópera para os meus pais praticarem mais um pouco. Enquanto eles se preparam nos respetivos camarins, eu vou praticando violino. Estamos todos nervosos com a atuação desta noite. Também temos razão disso. Esta pode influênciar as carreiras dos meus pais, tanto para bem como para mal.

Depois da atuação

Os meus pais foram espantosos! As reações dos críticos dizem tudo! Todos aplaudiram de pé!

Depois de os meus pais se arranjarem fomos todos para casa. À porta da Casa da Ópera despedi-me dos meus amigos que foram assistir à atuação. Quando chegámos (por volta das sete da noite), Annabelle e Amelia, as nossas empregadas, esperávam por nós, e, entusiasmadas, não parávam de fazer perguntas sobre o espetáculo e a minha mãe, com um dos seus grandes sorrisos, disse:

- Senhoras, senhoras. Por favor acalmem-se! Eu conto tudo enquanto fazemos o jantar!

- Ótimo! Vão fazendo o jantar enquanto eu vou trabalhar na minha nova melodia.

- E se não se importam, eu vou para o meu quarto tocar violino.

A minha mãe assentiu com um sorriso e foram cada um para seu lado.

Fui para o meu quarto, fechei a porta e comecei a tocar no meu delicado instrumento. Deixei-me levar pela música. De repente, estava noutro mundo, noutra dimensão, longe de tudo e de todos. Toco violino desde os meus quatro anos. Aprendi também a tocar piano por iniciativa dos meus pais, mas quando vi o violino... Simplesmente não consegui resistir. Foi como se fosse o violino a escolher-me, tipo no Harry Potter onde a varinha é que escolhe o feiticeiro.

Repentinamente, a meio da música que tocava, oiço barulhos de tiros e gritos. Corro para a sala de estar no andar de baixo e deparo-me com os meus pais e as minhas empregadas sem vida no chão. Dominado pela dor e pelo desespero começo aos gritos enquanto cascatas de lágrimas caiem dos meus olhos. Ajoelho-me e abanico e chamo pelo nome de todos os que se encontram no chão, em vão pois todos já se encontram mortos.

Morte. Uma palavra que sempre conheci, mas que nunca tinha presenciado, até àquele momento. Nunca me passaria pela cabeça perder os meus pais tão jovem. Aquele momento fez-me perceber o quanto a vida é importante, mas naquele momento não me apetecia viver. Queria acreditar que tudo aquilo era um pesadelo. Que tudo aquilo não passava de um mero pesadelo e que acordaria mais cedo ou mais tarde, mas a parte mais agoniante é que sabia que não. Que não acordaria e estaria tudo bem. Sabia que nunca mais abraçaria os meus pais e que nunca mais viria os seus sorrisos. Que nunca mais iria ser chamado à atenção pelo meu pai. Que nunca mais iria contar à minha mãe "como correu o dia". Nunca mais iria ouvir os sons melodiosos tocados pelo meu pai no piano e a dócil voz da minha mãe. Sabia que isso tudo eram meras memórias. E era o que mais doía. As memórias. Nesse momento lembrei-me de todos os momentos que passámos juntos. Todas essas dolorosas memórias felizes vieram-me à cabeça. Chorei ainda mais. Toda a cor do meu mundo desaparecera e restavam apenas o preto e o branco. 

Quando finalmente voltei à realidade fui a correr para o telefone chamar ambulâncias que chegaram uns 20 minutos depois e leváram-nos para o hospital.

Algum tempo depois, quando estava mais calmo, mas ainda chocado com o sucedido, a assistente social veio ter comigo à sala de espera do hospital.

- Querido, lamento imenso o que aconteceu. - disse ela com um tom carinhoso na voz que me fazia lembrar a minha mãe. - Mas nós precisamos de falar sobre o teu futuro. Precisamos de esclarecer com quem vais ficar.

- Ok. - foi a única coisa que consegui dizer.

- Queres alguma coisa para beber? Um chá?

- Pode ser.

As Sombras do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora