BEFORE
2016
Ela suspirou fundo quando saiu e fechou a porta do carro. O ar em Londres era frio e denso, o dia cinza e a rua abarrotada com os apressados de plantão. O estômago resmungava de fome e ela achava que precisava de mais um casaco.Mas, para Eleanor Del Rio, o dia nunca pareceu tão lindo.
Afinal, o que eram todos esses pequenos probleminhas diários quando havia atingido um objetivo tão grande e em tão pouco tempo. A solidão e derrota do seu apartamento no Brooklyn pareciam estar há milhões de anos de distância. Claro, ela sabia que havia muito trabalho a ser feito. Sabia que teria que estudar e trabalhar cinco vezes mais para garantir sua permanência naquele país. Mas, por enquanto, estava em paz.
A origem portuguesa de seu pai lhe dava a facilidade do passaporte europeu que a permitia estar ali. Apesar do pouquíssimo contato com o homem nos últimos anos, ela devia isso a ele.
Já a mãe, Cristina, era uma brasileira que tivera seu primeiro casamento com o pai de Eleanor aos 20 anos. Para Eleanor era surreal pensar que com a idade que tinha agora, 22 anos, sua mãe já estava casada e com uma filha recém nascida. Eleanor mal conseguia cuidar de si mesma, imagine de uma criança?
O casamento deles durou 11 anos, aos trancos e barrancos, até que eles se separaram. A mãe de Eleanor passou por uma fase de desprendimento e superação com o término, pois não queria voltar para o Brasil, onde tinha uma vida muito difícil com a família. Cristina detestava tanto aquele lugar que Eleanor só visitou o Brasil umas três vezes em toda a sua vida.
Quando criança, ela não conseguia entender o que causou a separação dos pais, mas sempre ouvia sua avó por parte de pai sussurrando com as vizinhas dizendo que Cristina era uma mulher aproveitadora, como todas as brasileiras, que só se casou com Jorge por interesse.
Eleanor odiava ouvir sua avó falando isso.
Cristina sempre fora uma mulher determinada, com muitas amizades. E Nell suspeitava que seu pai não gostava disso - dessa independência de Cristina. Trabalhou como confeiteira de bolos em uma loja local até que passou a crescer e ser reconhecida. Na época da separação, Cristina estava alcançando o ápice de sua carreira, trabalhando em uma confeitaria grande.
Decidiu deixar tudo pra trás, após o divórcio. Um amigo que estava começando a abrir sua loja em Miami, nos Estados Unidos, convidou-a para trabalhar com ele e ela aceitou sem pestanejar. Com 31 anos, uma filha de 9, alguns euros na conta e uma carta de recomendação, ela se mudou para os Estados Unidos para recomeçar.
Eleanor e Cristina viveram por quase 5 anos em uma casa de dois cômodos em um bairro com uma grande comunidade latina, o que facilitou as coisas para Cristina, que mal sabia a língua inglesa. Foram tempos difíceis, Cristina sempre voltava pra casa andando para economizar na condução, os móveis e roupas delas eram doados de vizinhos ou comprados em bazares de igreja. Mas Roberto, o amigo e dono da confeitaria, as ajudava como podia. Nunca deixou comida faltar na casa delas, fazia empréstimos e adiantava salários sempre que Cristina precisava. A mulher retribuía sendo a excelente profissional que era, chamando cada vez mais a atenção para a pequena confeitaria com suas artimanhas culinárias.
Eleanor se lembrava de sentar com sua mãe na mesa de madeira que ganharam da vizinha mexicana uma vez. Ela fazia o dever de casa com tanta dificuldade naquela noite (ainda não conseguia entender o idioma para fazer a atividade da escola) que começara a chorar com saudades da sua casa em Portugal. A mãe ficou tão brava com ela e disse, com a voz embargada de choro, "Eleanor, acha que é fácil pra mim? Estou buscando o que é melhor para nós duas, tenha paciência". Isso a surpreendeu, nunca achou que as coisas eram difíceis para a mãe, que fazia amizade com facilidade e estava sempre ocupada com alguma coisa.
Depois disso, não teve um dia sequer que não pensou na mãe, na paciência e determinação dela. Em como lidava com tudo com aquele jeito prático e criativo de ser. No esforço que fez para cuidar da filha, trabalhar e estudar.
Eleanor começou a ter aulas de inglês na escola, com um grupo de outros imigrantes latinos. A sra. Ramirez, sua professora, era uma mulher exigente e expansiva que, em toda aula, passava um filme ou música para a classe estudar. Eleanor devia a ela toda a paixão que desenvolveu por arte depois.
Com o tempo, a vida dela e Cristina se estabilizou. A mãe agora era sócia da confeitaria do amigo e se casara de novo, há um ano. Encontrara em Miami, algo que nunca teve em Portugal: um lar e pessoas que a aceitaram. Apesar de toda a dificuldade de ser uma imigrante nos Estados Unidos, hoje ela tinha uma vida feliz.
Eleanor, por outro lado, nunca se sentiu em casa ali. E depois de tanto tempo, sabia que Portugal não lhe seria mais um lar também. Sempre estava perdida e sozinha, e, apesar de ser muito agradecida à mãe por tudo que fez, ela não se sentia parte de coisa alguma. Era uma solitária.
Quando passou na Universidade de Nova York como bolsista e se mudou para a maior cidade do mundo, achou que finalmente encontraria seu lugar, afinal tinha sido escolha dela ir para lá. Mas o sentimento continuou, sempre à espreita, sempre sobre os ombros dela, como um casaco desconfortável e apertado demais.
Na faculdade de Comunicação, fez amigos e se engajou em mais projetos do que podia contar. Acreditava que, por ser pobre, bolsista e imigrante, tinha que se dedicar três vezes mais que o restante dos alunos, como se só assim deixasse claro para todos que merecia estar ali tanto quanto todo mundo. Achava que estar sempre ocupada a faria sentir parte de algo, sempre em busca do sentimento de pertencimento. Trabalhou na revista da faculdade e foi indicada por sua professora para o estágio de verão da Chase, uma importante revista de entretenimento. Pensar em como aquilo pareceu um sonho na época, agora lhe dava um sentimento amargo na boca do estômago. Foram dois anos de muito trabalho que escorreram entre seus dedos com muita facilidade. "Se foi embora tão fácil assim, é que não era pra ser seu, querida", sua mãe lhe disse quando contou o que estava prestes a fazer: largar tudo e recomeçar.
Para alguém de tão pouca idade, Eleanor achava que já tinha recomeçado muitas vezes na vida. Talvez o sentimento de pertencimento nunca lhe ocorresse, e ela fosse obrigada ter novas vidas em vários lugares do mundo.
Apesar de tudo, sentia-se privilegiada por poder tentar.
Muito bem, Reino Unido, pensou, enquanto encarava o pequeno prédio de tijolos - uma das residências estudantis de King's College e seu novo lar. Quero ver o que você tem pra mim.
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EASIER || HS
RomanceEla nunca se sentiu em casa. Ele também não. Para Harry Styles sempre foi difícil criar raízes - com pessoas, lugares, sentimentos. Para Eleanor Del Rio, sempre foi mais fácil ir embora. Entre os acasos da vida, enfim encontraram um motivo para per...