II. A árvore derrubada

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A magia tem dois princípios fundamentais: equifinalidade e incorporiedade.

Isso se considerado o ponto de vista prático da experiência mágica. Há o lado moral também, no qual se aplicam a isenção, neutralidade e equidade da magia. E, se for ainda mais longe, pode-se dizer que toda magia praticada ainda está debaixo da lei: e então chegamos ao que se pode e não pode fazer em Prado.

Não que uma sociedade mágica estivesse em condições de proibir a própria magia. Mas haviam leis, algumas tão antigas quanto a fundação da cidade e outras ainda mais velhas. Todas tinham sido criadas com alguma razão e, se permaneciam intactas, era porquê sua importância estava comprovada dentro do funcionamento da comunidade.

Mas todas as leis caiam durante o Período. E era aí que acontecia o Mardi Grade.

No Acampamento Velho Bosque, as coisas eram um pouco diferentes. As mesmas leis – mágicas e morais – se aplicavam ali. Mas de um modo diferente. O Conselho e a comunidade como um todo não acreditava que menores de 15 anos estavam aptos para praticar magia – pelo menos não sem acompanhamento. Por isso podiam aproveitar o Período, dentro de um ambiente seguro.

Seria ótimo, claro, se Victória não precisasse ficar de babá para garantir isso.

Anos atrás, a propriedade do acampamento era apenas um pedaço de terra aos pés do Monte Ferrovia, ocupado por uma família que tinha cuidado de lá desde a fundação da Vila das Pradarias. Era um lote menor, naqueles tempos, mas os donos mantinham a grama aparada baixa nas proximidades das construções e tinham arado a terra e plantado mudas de eucaliptos. Até começaram um projeto de tanque, com água escoada do Rio Andarola, que corria há alguns quilômetros de distância. Victória não sabia quando os Budapeste tinham comprado a propriedade, mas sabia que estivera abandonada por anos até que seu pai assumisse a direção do Acampamento.

Antes disso, durante o Mardi Grade, o retiro acontecia ao ar livre nas proximidades do cume do Monte Ferrovia – quase nos limites do Castelo de Pedra e, perigosamente, perto da Estação Ferroviária. Mas, após o incidente de 1992, foi necessário fazer uma mudança de planos.

Desde que Marco Dallarosa fora incumbido da tarefa de cuidar dos mais novos durante o feriado, o Acampamento tinha passado por uma série de reformas e ampliações. Como parte das boas políticas da Lady Budapeste, um lote extra de terras vizinhas tinha sido comprada, dobrando a capacidade da chácara de abrigar seus acampantes.

O acampamento acabou sendo construído ao redor do tanque, que posteriormente se tornou um lago artificial, e formou uma clareira totalmente rodeada pelo bosque que consagrou seu nome.

Numa região mais alta, o portão era acessado pela estrada que se ramificava da Avenida da República, com o estacionamento a frente do Refeitório, que também reunia as cozinhas. O terreno descia por uma fina calçada de pedra, iluminada a noite por postes de luz acobreada, onde o Bosque se estendia ao redor como um mar de folhas e escuridão, até que a mata se abrisse dando espaço para a clareia que abrangia os prédios do acampamento e o lago, num descampado amplo e circular.

Pelo menos um terço da clareia era tomada pelo Lago, com pequenos cardumes nadando por suas águas escuras, os pedalinhos que podiam navegar pela sua superfície e um deck de madeira, construído no centro do Lago, com o Falso Farol acima dele, que se erguia dez ou quinze metros de altura, servindo como biblioteca e o escritório do Diretor.

No restante, os prédios do descampado se distribuíam conforme suas funções, com o rancho próximo ao Lago, as quadras poliesportivas no centro – próximas à piscina. Os chalés do acampamento ficavam paralelos, divididos entre meninos e meninas, com a Praça Central entre eles. Lá, eles faziam reuniões envolta da fogueira, e os acampantes podiam sentar e ver as estrelas durante a noite.

A Noite das CoroasOnde histórias criam vida. Descubra agora