Prólogo

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Uma decisão precisava ser tomada, ela sabia.

    Três pétalas secas caídas milagrosamente no chão, e uma flor inteira no topo da árvore. Uma árvore com quase vinte metros. Uma árvore coberta de neve, congelada e muito, muito escorregadia.

    O dia já dava seus últimos deslumbres. Tryna começou a ponderar suas opções, enquanto refazia a trança dos longos cabelos negros. As três pétalas poderiam apartar alguns dos sintomas do pai, mas não eram o suficiente. E, além disso, estavam um pouco secas, o que possivelmente inibira suas propriedades curativas.

    O outro caminho seria subir aquela imensidão, até seu braço magro conseguir tocar o caule daquela flor e arrancá-la. Ela, no entanto, pensou em como poderia enxergar ao meio da névoa noturna de inverno. Qualquer tolo sabido escolheria a primeira opção.

    A flor inteira seria a garantia de cura do pai.

    Tivera sorte. Muita sorte.

    Encontrou uma única árvore de Iflah, em uma região fria.

    Encontrou a flor no inverno, enquanto ela só nascia na primavera.

    Encontrou pétalas da abençoada Iflah no chão.

    Entretanto, Tryna era as nuvens, os ventos e os trovões de uma tempestade. Uma tempestade pontual e devastadora. Tryna não rondava montanhas, ela as escalava. Nem que fosse preciso usar os próprios dentes no trajeto.

    Era um conjunto de elementos. Havia um breve fio em sua mente que a levava além. Muito além. A arrastava pelos solos, rasgava sua pele e a forçava ir aos extremos. Tryna deslumbrava, com prazer lupino, o alto das montanhas e se via em seus cumes.

    Decidiu que não zombaria da sorte. Decidiu que escalaria a grande-maldita-seja-árvore e salvaria o pai das peças d'Criatura. Ao menos os lobos das montanhas não a alcançariam no alto dos galhos. Mas se os lobos não fossem lobos... Não. Não, nenhum daqueles tiranos perderia tempo em Servaty.

    Havia avistado água fazia mais de seis horas. O lago estava completamente congelado. Sentindo-se uma desbravadora, ela pegou uma pedra e andou cautelosamente até uma camada mais fina de gelo e o rachou. Ela tirou as luvas e mergulhou as mãos na água por puro desespero. Depois, percebendo a grande estúpida que era, lembrou-se do cantil. Os dedos haviam congelado desde então. Seus últimos resquícios de força ficaram ali, presos em um ar gélido inebriante.

    E o alimento... raízes e frutas durante o caminho, somente. Algumas ela vomitou e a garganta fora transformada em uma brasa cálida. Era inverno, em seus maiores picos. E os animais carnudos e proteicos... escondidos ou correndo da morte invernal de Servaty.

- Você vai morrer, menina, você vai morrer! – avisou a mãe, enquanto Tryna vestia as botas encardidas.

- Nem que eu tenha que comer terra para sobreviver. Eu vou. – como uma flecha rodopiante e assertiva, ela respondeu à mãe, duas noites atrás.

Ela pensou que a mãe poderia estar certa. A dor que sentia nos músculos era nada comparado ao seu sangue engrossado pelo frio. Tryna reconhecia o som, o toque e o desdém que aquelas garras faziam ao tocar sua mente, a arrastando para fora. Para um mundo sombrio e vazio. Um mundo sem vida.

O ELO PERDIDO (Trilogia: A Flor e a Hitrya)Onde histórias criam vida. Descubra agora