Capítulo VII

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O dia do Triunfo estava se aproximando.

Tryna Aldriar, vagamente, sentia algo primitivo – algo genuíno – pulsando entre suas veias. O fio se enrolava cada vez mais, conforme o teste se aproximava. Ele a impulsionava, à todo momento, traçar aquela linha. Para traçar o que estaria além do Triunfo.

Uma legião de inquietações atiçava sua mente. Era Pheme, Griffin, os gêmeos... e o próprio nome. O fato de não ter um verdadeiro. O fato de não saber a própria história. Ela havia deixado, este grito interno, preso entre os grilhões de seu conformismo. Depois que Dallas alcançara além dos céus, Tryna Aldriar preferiu fechar os olhos e fazer o que era preciso. E não o que ela precisava.

Descobrir o próprio passado... Ela não aguentaria. Sabia que não aguentaria.

Durante os dias, depois que Pheme dormia, ela maquinava; ela tecia; ela moldava; algo desconhecido. Algo distante. Os linhos da própria consciência estavam mais emaranhados do que nunca. Tentava explicar a si mesma que aquilo acabaria em nada, no entanto, havia aquela parte selvagem, e primitiva, não contentada com isso.

Afinal, compreender o desconhecido seria, para ela, inalcançável.


***

Pheme Aldriar estava saindo de casa, ouvindo o carcarejar matinal das galinhas do senhor Ragnar. Acordara cedo. Muito mais cedo do que de costume, principalmente nos últimos dias. Se concentrou no caminho até o poço, enquanto carrega os galões d' água vazios.

Ele não ficava muito distante de sua casa, mas ficava distante o suficiente para que as moradias ficassem mais espaçadas e a terra cada vez mais inóspita.

O fato a favorecia. Bem... As favoreciam.

Encher galões tornou-se o momento mais curioso e tenso de seu dia. A ansiedade sempre lhe tomava os ossos, por completo. Pheme jamais fora alguém que guardava segredos. No entanto, agora pensava que poderia se afogar. Se afogar, se afundar nos mais profundos riachos de profanidades e mentiras.

Se Tryna a perdoaria, ela não sabia. Não sabia se também merecia sua piedade.

Pheme era suja. Se sentia suja.

       Já tinha saído da estrada de pedra, quando avistou os primeiros deslumbres de pinheiros. Uma movimentação entre as árvores, fez com que os pássaros - imigrantes da primavera - saíssem voando desesperados.

Pheme pensou, por um segundo, se aqueles seres voadores irracionais eram mais inteligentes do que ela, por avistarem a besta branca – como ela a chamava mentalmente – e fugirem.

Deslumbrou o poço e logo sentou-se em suas bordas, repousando os galões ao lado de seus pés. Ficou ali, sem o mínimo receio de cair. Talvez ela merecesse cair.

      Contudo, afastou suas angústias. Olhou em volta, declarando:

       - Faz parte do acordo você não aparecer aqui na forma animal, Vossa Graça.

A besta branca saiu do meio das árvores e arbustos. A pelagem marfim balançava, por causa da breve brisa que a atingia. Os olhos, com aqueles incontáveis tons, brilharam ao avistar Pheme.

O ELO PERDIDO (Trilogia: A Flor e a Hitrya)Onde histórias criam vida. Descubra agora