Capítulo IV

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Senhora Frizz observava a cena do canto oposto do local, ela deixou suas rosas de lado e atravessou o salão igual a um furacão vermelho. Quase esbarrou em uma das baristas ao ir para atrás do balcão. A menina a encarou assustada, mas o furacão vermelho logo exclamou: "Anda! Anda , menina!

Tryna e Griffin estavam tão concentrados no olhar um do outro que nem sentiram a Rosa-Mãe se aproximar. Ela chegara perto de Tryna, pegando seu leque de renda dourada, e golpeando-a nas costas.

Tryna grunhiu de susto e seu coração estava excessivamente pulsante. Mas, para sua infelicidade, não fora pela chegada abrupta de Senhorita Frizz. Ela percebeu que quase se afogara no olhar de Griffin, e não fora a mulher ignorante que fez suas entranhas se entrelaçarem, como os linhos em um tear.

- Menina deformada, está com os pés grudados no chão, por acaso?

Ela já não se importava com as ofensas direcionadas à ela. Se importava com o trabalho e as poucas moedas que levava para casa. Cautela, precisava de cautela e um bom tom de voz.

- N-Não... – tentou se explicar.

- Vá! Vá! – ela gesticulou as mãos exageradamente na direção do salão - E pare de incomodar esse... – Senhorita Frizz visualizou Griffin, olhando-o como se fosse uma bolsa cheia de ouro – bom homem, que deve estar precisando de "descanso".

Tryna não disse mais nada, ela não ousara. Houvera um entendimento tácito entre as duas, então, deu as costas e foi procurar qualquer homem desdenhoso que precisasse embebedar mais seu sangue com cidra.

Entretanto, Griffin ousaria dizer algo. Ouvira a mulher chamar Tryna de "menina deformada". Se alguém repetisse o ato no local onde nascera... tal pessoa não haveria de ter mais língua para sibilar tais atrocidades. Sabia, contudo, que em Servaty a logística era diferente, mas isso não o impediu de sibilar o mínimo. Se levantou, olhando diretamente nos olhos castanhos da Senhora Frizz:

- Ela não incomoda – a Rosa-Mãe começou a abrir os lábios, contudo, ele se prontificou a ser mais rápido, continuando: - ela tem um nome, Tryna. Tryna é o nome dela.

Griffin tateou as vestes, apanhando algumas moedas, depois jogando-as na direção de Senhorita Frizz, que o olhou horrorizada. Ele abandonou o local com a maior carranca e repetindo mentalmente: mulher asquerosa ignorante.

Não esquecera, no entanto, de repassar a cena diversas vezes de Tryna se aproximando e o encarando com aqueles olhos castanhos-amarelados. Ela era destemida, refletiu, enquanto puxava o capuz da capa e cobriu o rosto e disparava na direção de sua estalagem. Algo, soube subitamente quando a avistou pela primeira vez, um véu a encobria. Um véu enevoado; uma história; uma herança; um passado. Algo que estava a impedindo de ser quem realmente era.

Ele entendeu - quando Tryna apoiou as braços no balcão e sua voz destoou um rugido antigo, escondido – que ela teria um potencial. Ela se tornara exatamente o que Griffin precisava. Um encaixe perfeito.

Daqui a poucos dias teria que abandonar Cherismór e voltar para casa, mas não havia conseguido cumprir ainda nenhum de seus dois objetivos.

Tryna estava certa, Griffin mentira. E mentira muito.

***

Pheme esperava a irmã chegar, sentada na poltrona bege – que se localizava em frente à lareira. Ela puxava os fios desfiados do rasgo de um dos braços do móvel, por puro nervosismo. Tryna caminhava sozinha, todas as noites, com a escuridão envolvendo-a entre becos, e Pheme sentia as pernas tremulas por pensar na irmã esbarrando em algum contrabandista, ou em um algum pervertido.

O ELO PERDIDO (Trilogia: A Flor e a Hitrya)Onde histórias criam vida. Descubra agora