Capítulo III

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Ela acordou no dia seguinte exausta. A luz do alvorecer adentrava o cômodo e invadia o local deliberadamente. Esfregou os olhos e apanhou a luva preta, na pequena mesa ao lado da cama. Ela já ouvia Adeena da cozinha gritar ordens aos irmãos e quis esganar Pheme, por deixá-la dormir minutos além do normal. Se Tryna despertava cedo, a irmã acompanhava as galinhas cacarejantes.

Ela pegou suas vestes de dentro da cômoda - apenas um vestido azul desbotado e meias encardias pelo tempo - e colocou com agilidade que a rotina lhe proporcionava. Quando terminou de se aprontar, saiu avistando Pheme adentrar a porta da frente, a testa pingando de suor, acompanhada dos galões d'água, os quais buscava todas as manhãs. A tarefa era pontualmente direcionada à irmã.

Carregar litros de água, todas os dias, proporcionava um certo desenvolvimento muscular - complementarmente, ao trabalho de Pheme que se reduzia a carregar sacos de grãos para determinados destinos. A desenvoltura corporal perfeita da irmã, era primordialmente desenvolvida para o teste do Triunfo. Muitos teorizavam que bochechas coradas, em sinal de saúde - contraditório, pensara Tryna, pelas condições de Servaty- e alguns bons músculos, tornariam os inscritos mais competentes para chegar ao patrocínio.

- Bom dia - Tryna disse ao se aproximar da mesa feita de tábuas claras de madeira.

Adeena e os irmãos revidaram o comprimento dela. Tryna, antes de sentar-se à mesa, se aproximou de Kay e Théz e bagunçou o cabelo castanho de ambos. Eles reclamaram de seu ato, enquanto tentavam desviar das mãos que agitavam os fios.

- Anda, menina, você vai se atrasar!

Tryna obedeceu às ordens de Adeena que apontava para a cadeira vazia, em frente a Théz. Pheme se sentara ao seu lado e a matriarca na ponta. As cadeiras não formavam um conjunto perfeito. Três delas iguais e duas diferentes tanto em tom, quanto em ornamentos simples – a terceira, que se unia ao segundo conjunto, havia se tornado lenha para a lareira nos auges do inverno, naquele ano. Com Dallas morto, há dois anos, eles não precisariam de uma sexta cadeira.

A mesa lascada havia sido preenchida com o alimento comum de todas as manhãs. Barras de cerais, leite e, quando a sorte estava batendo à porta da família Aldriar, ovos. Tryna bebeu o líquido da caneca de alumínio e comeu sua barra. No fim, ela empurrou seu ovo na direção da irmã.

- Coma – ela disse para Pheme, desafiando a irmã contrariá-la.

Para o azar de Tryna, Pheme não corrompeu sua postura audaciosa, quando semicerrou os olhos para ela.

- Você tem que trabalhar.

- Você também e, além do mais, - ela tocou, delicadamente, no braço dela – seu teste do Triunfo está chegando.

- Aceite a gentileza de Tryna, Pheme! Coma! – exclamou Adeena.

Tryna sabia que Pheme precisava alimentar-se bem até o dia do teste. E Pheme também tinha ampla noção de sua condição, então aceitou o bendito ovo.

No caminho para a fábrica de tecidos, ela agradeceu à Terra pelo o inverno estar chegando ao fim. A neve já derretia e havia diminuído o seu volume nas ruas, assim, proporcionando à Tryna a oportunidade de usar os caminhos mais escondidos, além de não a obrigar a passar pelo centro e a avenida principal.

Ela traçara aqueles becos-labirintos até chegar a porta da fábrica. O local possuía dois andares e mais um no subsolo, onde ela trabalhava. Onde se situavam os teares e as moças jovens que os utilizavam. Também, algo inesquecível para Tryna, um lugar extremamente gélido e empoeirado. Nas nevascas severas era difícil suportar o frio ali e, como se a situação não fosse ruim, luvas grossas não eram permitidas, visto que os dedos cobertos dificultavam a tecelagem.

O ELO PERDIDO (Trilogia: A Flor e a Hitrya)Onde histórias criam vida. Descubra agora