Havia um atalho para o trabalho, entre um conjunto de apartamentos, descendo a escada da avenida principal. O ônibus continuava seu caminho e com ele todos aqueles desconhecidos iam embora, em busca do seu ganha pão, mal humorados como um dia de semana deve ser. Quase todo dia corria, pois o tempo era seu inimigo, atravessava a rua, desviava dos transeuntes, se apagava mesmo presente, nos entrelaços da monotonia, esbarrões e suas apatias, alguns pedidos de desculpas sinceros, outros por mero capricho do dizer.
Todo dia a mesma rotina, a escravidão da vida adulta. Uma ou duas vezes os estranhos ao longo do trajeto pareciam ser peças de um passado que o levou até ali, ou era isso que pensava quando um olhar desconhecido se prendia naquela dúvida, o conhecer de não saber desconhecer. Uma vida desajustada, o típico clichê, de um quebra-cabeça invertido. Ah! As horas que não cabem nesse destino, os minutos que teimam em lhe escapar e lhe aprisionar, em compromissos rompidos. Fosse a vida mais fácil não houvesse a expectativa, fosse mais fácil não houvesse o desapontamento, fosse mais fácil não me importar. Mas me importo, embora não diga, embora em vários momentos seja apenas fadiga. E lá se vão os minutos, rindo e correndo no oceano de estruturas que pouco importam. O tempo não permite divagações, não tem espaço além dos compromissos de um mundo sedento de anestesia sentimental. Tic tac bata o ponto, tic tac venda seu pensar, hipoteque sua alma, e finja ter algum controle, enquanto o mundo se aproveita de tudo que pode dar. Pois ainda no fim do dia estará liberado para ir dormir, pois precisamos de você de novo aqui. Lembre-se, amanhã, venda-se de novo, mas antes lave esse rosto. Anda gado, anda, sem doenças sentimentais, estraga a carne, e ninguém gosta disso, o que se busca são sorrisos, independente da sinceridade. O sintoma de uma sociedade doente em respirar. Tudo se resume a sobrevivência em papéis escolhidos, pré-determinados, pré-definidos, moldados pela realidade criada durante séculos e séculos. Anda gado, não reclame do abate. Ah, como lhe deve seus ancestrais, preconceitos, dogmas, padrões, regras ansiosas por dizer: é assim que deve ser. Talvez esteja um pouco pessimista, penso nisso lembrando do olhar felino nas janelas, me faz pensar na bobagem de revoltas ditas para o vento. A escada era um pé no saco, o joelho se desgastava com idade assim como a revolta e senso crítico...
Sempre havia alguém lavando carro, nem sempre, mas é a lembrança mais comum de quando se chega ao fim dos degraus, a água que escoa no asseio da sujeira, a água que escoa na chuva passageira. Tão comum quanto os vovôs e vovós papeando sentados na calçada. A sabedoria deturpada de observar a vida alheia. A busca de papel e sentido, narrados em ouvidos, sobre o espaço vago do sucesso perdido.
Difícil agradar o tempo, ele não é muito de esperar, não importa o quanto você corra, ele continua a querer seus minutos desencontrados, e se você não alcança o tempo, o sucesso vai embora. Tempo é dinheiro, e o sucesso odeia quem não valoriza poder financeiro, e poder exige compromisso, e compromisso não combina com tempo perdido. Tic Tac mais um dia perdido. Tic Tac atrasos não são permitidos... Tic Tac o olhar que não desvia do seu, foi embora, você o perdeu... Tic Tac a vida vai passando, e seu caminhar terminando. Não fique para trás, a realidade não lhe permite mais, pois divagações e incertezas não tem espaço aqui, apenas as correntes, ou guilhotinas chamadas de frustrações. Tic tac hora de acordar. Tic Tac sem reclamar. Tic Tac uma hora o relógio quebra...
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Sabores Amargos, pessimismo sem lastro
De TodoUma reflexão sobre a vida diária e a rotina