2 | síncope pt. 1

52 10 4
                                    

Na realidade, se pudesse classificar, Marinette diria que aquele fora, de longe, o pior início de aulas que ela poderia ter tido. As pessoas eram todas distantes, ninguém queria conversar com ela ou lhe fazer companhia para o horário do almoço. Eidi se manteve calado depois da breve interação na aula até que ela chegasse em casa, quando enfim desabafou e ele pôde lhe consolar.

"Foi só o primeiro dia, Bugaboo."

Mas os dias que se seguiram não pareceram mudar tanto, as pessoas continuavam parecendo assustadas toda vez que ela aparecia, sempre cochichando entre si quando ela tentava se envolver.

"Talvez você esteja sendo... amigável... demais?"

A garota de cabelos escuros decidiu passar o dia inteiro calada e descobrir o que acontecia. Nada ocorreu de grandioso, mas pelo menos as pessoas não a olhavam estranho e nem interrompiam conversas ou se afastavam quando ela estava por perto. Com o passar do tempo, na verdade, elas passaram a não se importar quando Marinette estava ao lado e chegavam a pedir informações, opiniões ou fazer comentários aleatórios aos quais ela se esforçava pra responder de forma breve e contida.

"...você não parece feliz..."

Ela não estava feliz. Mas aquilo se tornou rotina e ela estava acomodada.

Nas férias de Julho do mesmo ano, Marinette recebeu uma notícia:

— A gente vai... se mudar?

Seu tom não era provocativo, nem desrespeitoso e muito menos decepcionado. A menina parecia surpresa.

— Eu sei que é repentino... mas olha só, nós vamos para um lugar melhor. — Sabine encarou Tom com ansiedade, mordendo o lábio ínfero. Quando ele assentiu com a cabeça - a mesma excitação nos olhos - a senhora Cheng falou: — Conseguimos o dinheiro pra abrir a nossa padaria.

Marinette escancarou a boca.

Chat estava maravilhado.

"Eu... não... acredito!"

Os olhos da franco-chinesa marejaram. Seu sorriso dividia espaço com uma expressão chorosa e os seus pais desfizeram os semblantes alegres.

— O que foi, filha? Você não gostou?

A garota balançou a cabeça negativamente.

— Eu amei... Eu amei! Estou tão... tão feliz... — Ela começou a soluçar e Tom e Sabine trataram de envolvê-la num abraço de urso.

— Você não estava se sentindo bem aqui, querida? — Ouviu a voz do pai soar baixa, enquanto sentia sua mão ridiculamente  grande acariciar seus fios escuros com delicadeza.

A família Dupain-Cheng morava na mesma residência desde o nascimento de Marinette e a garota sempre expressou o carinho pela casa e a localidade onde viviam. O que mudou quando precisaram deixar a casa emergencialmente, visto que o senhor que alugara para eles faleceu e a família do homem rescindiu o direito da família de permanecer. Obrigando, portanto, a encontrar uma moradia reserva até que pudessem pagar por algo melhor. Por isso Marinette precisou entrar em uma escola em que não conseguiu se adaptar bem, mas estava levando como podia.

— Nós vamos nos mudar pra Paris, sabe? — Sabine comentou, enquanto a filha enxugava as lágrimas.

— P...Paris?

— É... Você vai poder começar de novo, querida. E dessa vez, vai começar direito. — Tom sorriu.

Marinette grudou os pais em mais um abraço. Seu maior medo era precisar entrar no Ensino Médio junto com aquelas pessoas de que, sinceramente, não gostara nem um pouco.

Chat Noir havia dado espaço para a garota quando ela começou a chorar, então Marinette precisou explicar tudo o que tinha acontecido para ele depois. Devido a animação, esqueceu de mencionar para onde se mudaria mas deu a entender que seria um lugar maravilhoso. Sua Consciência não poderia estar mais feliz.

No dia da mudança, a garota não conseguiu dormir a noite toda de tanta ansiedade

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

No dia da mudança, a garota não conseguiu dormir a noite toda de tanta ansiedade. Então, quando sua mãe bateu na porta do quarto às sete horas da manhã, Marinette estava pronta para ir.

...E dormir durante a viagem inteira.

Foi acordada por Sabine Cheng, balançando seus ombros.

— Chegamos, Marinette.

A mestiça pulou do banco como se ele tivesse espinhos. Estava radiante. Descarregar a mudança foi tão rápido quanto os esforços dos três permitiram e logo estavam com as caixas dentro do lugar vazio e limpo.

Assim que entraram não pararam de tagarelar. Como as cores eram lindas e eles não precisariam mudar nada; como os móveis da padaria, em sua maioria, já foram vendidos junto e não precisariam comprar muita coisa...

— Podemos colocar o balcão aqui, algumas mesas para os clientes aqui... — Sabine parecia extasiada enquanto expunha sua ideia ideal.

— Mãe... vai ficar maravilhoso. — O sorriso da criança que quase ultrapassava a altura da mulher era genuíno. Ela piscou como se tivesse lembrado de algo. — Eu posso ver o meu quarto?!

— É claro, Marinette... — Tom mal acabou a frase e a filha já disparava pela escada. — Você pode escolher com qual quer ficar!

E assim que entrou no quarto e descobriu o alçapão e a varanda maravilhosa, Marinette Dupain-Cheng sabia onde passaria a maior parte do tempo naquela casa.

— Chat... é perfeito. Não é? — Ela não conseguiu conter o comentário à palavras mentais. Todo o conjunto de sensações incríveis precisavam sair pela sua boca.

Mas ela não obteve resposta.

— Chaaat! — Chamou de novo, quase como se a sua consciência estivesse escondida em algum lugar.

A garota sentiu um frio no estômago e um vislumbre da lembrança de dois anos atrás lhe passou pela mente.

— Se você tá brincando, Chat Noir, eu não estou vendo graça. — Murmurou, de cenho franzido.

Mas tudo o que ouvia eram os próprios pensamentos.

Ela esperou o restante do dia.

Da noite.

O restante da semana.

E o silêncio nunca foi tão ensurdecedor.

A Voz da Consciência | adrinette;Onde histórias criam vida. Descubra agora