4 - O filho biológico, o padrinho

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* 2020 *



                   Dia primeiro de janeiro de 2020, quarta-feira. Thomas Bardot, um brilhante e premiado físico por seus estudos sobre a viagem no tempo, fumava na varanda de seu quarto na grande mansão em que vivia com sua esposa e filha adotiva. Era um homem de pouca expressividade, 54 anos,  sua aparência poderia facilmente fazer pessoas desconhecidas confundi-lo com um morador de rua. As olheiras fundas que denunciavam suas poucas horas de sono, os cabelos desgrenhados e sem corte, a barba por fazer e as grossas sobrancelhas bagunçadas claramente mostravam que o homem que já não se importava mais com sua aparência, afinal aquela altura da vida, como um grande estudioso que era, não tinha tempo pra se preocupar com banalidades estéticas naturais à outros seres humanos. O cheiro do tabaco se misturava ao das plantas do bosque atrás da casa. Estava bastante pensativo, distante. Jogou a bituca do cigarro no chão e apagou com o pé. Buscou uma caixa que estava guardada no closet do quarto, escondida no fundo do guarda-roupas em baixo de vários edredons. Saiu do quarto e desceu as escadas em direção a sala. 

                   - Stephanie. - Chamou a garota que estava sentada no sofá vasculhando as redes sociais. - Preciso que faça algo.

                   - Oi pai! - Steh logo se atentou a ouvir o que Thomas queria dizer.

                   - Há algumas coisas que preciso conversar com você. - Ele se aproximou e se sentou ao lado da filha. Colocou a caixa em cima da mesa e cruzou os dedos das mãos. - Tem uma coisa que nunca lhe dissemos quando te adotamos. Sua mãe preferiu que você soubesse quando já fosse mais madura pra entender.

                   - Pai, você parece triste... - Steh se sentiu nervosa. - É alguma coisa ruim?

                   - Vou ser direto. Pouco antes de pegarmos você, nós perdemos um filho biológico. Nikola. Foi nosso primeiro filho. - Thomas engoliu seco. - Não queríamos  te contar, porque na época você ainda estava traumatizada com o suicídio de sua mãe biológica. E também, porque Elle tinha medo de que você crescesse com a ideia de que tinha de ser uma substituta do Nick.

                   - Eu... não sei como reagir. - Steh se sentiu triste pelos pais. Nunca tinha visto aquela expressão de sofrimento no rosto de Thomas. - Como ele faleceu?

                   - Também foi suicídio. Éramos muito focados no trabalho, e quase não parávamos em casa. Foi o ano que ganhei as premiações pela minha tese de doutorado, então passamos mais tempo viajando que com nosso filho, não éramos muito focados nele antes disso, de qualquer forma. Fomos péssimos pais. - Thomas puxou a caixa que tinha trazido e abriu pra tirar uma foto de dentro. Ficou encarando-a enquanto falava. - Ele era um garoto muito sensível e inteligente, começou a entender o mundo cedo demais. Não percebemos quando a cabeça dele ficou tão bagunçada. - Ele entregou a foto pra Steh.

                    Steh olhou pra foto e se sentiu profundamente melancólica. Não pôde evitar as lágrimas, e quis chorar. Aquela foto mostrava o garoto bonito, de sorriso alegre e pulcro. Era muito parecido com Thomas, mas tinha os olhos de sua mãe, Elle. Sentiu uma profunda afeição por aquela pessoa, mesmo que jamais tivesse o visto antes. 

                     - Quando a depressão se agravou, Nick desenvolveu Síndrome de Cotard. - O pai continuou a falar. - Ele acreditava que o corpo dele estava desaparecendo, e que já estava morto por dentro. Que não adiantava continuar se esforçando pra viver, porque ele nunca poderia viver de verdade. Pouco depois, aconteceu a tragédia.  - Thomas afagou a cabeça de Steh. - Sei o quanto esses assuntos são difíceis pra você. 

最後の鏡 ( O último espelho/The last mirror)Onde histórias criam vida. Descubra agora