3. Santo Berço

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— Não estou tão magro. — O respondeu. Quase nunca ficava sozinho com Hoteleiro, apesar disso não tinha a mínima ideia do motivo de se sentir "assim" perto dele.
— Consegui ver suas costelas daqui — Parecia uma alfinetada, mas sabia que não era a intenção de Hoteleiro.
— Não consigo te levar a sério sabendo que foi atacado por uma galinha — Disse, sorrindo para o mais alto. Nesse momento o grisalho havia se sentado na maca ao seu lado, virado para si.
— Eu só tentei dar um susto nela! — Estava tentando se defender. — Só que ai ela veio pra cima de mim tentando cortar meu pescoço e acabou voando na minha cara!
— Ai ela te arranhou inteiro?
— EXATO — Após essa fala, Porteiro riu de forma anasalada. Hoteleiro definitivamente era alguém agradável de se conversar.
— E você deixou? — Perguntou, estava genuinamente sorrindo.
— Ela era extremamente rápida, se eu ficasse mais tempo ali acho que estaria sem um dos meus olhos — Estava fingindo uma fala séria, pelo menos era isso que Porteiro achava que significava. Bem, não deixava de ser engraçado.
Viu o Hoteleiro puxar um dos cigarros de Santo Berço, acendendo-o com um cristal vermelho. O observou levar o tabaco até a boca, já havia visto outros luzídios fumando outras vezes, mas a forma como a fumaça saia pela boca de Hoteleiro parecia diferente das outras.
— Cê quer? — Ofereceu, soltando a fumaça mais uma vez.
— O Ajudante não deixa eu fumar. — A sombracelha levantada de Hoteleiro lhe fez aceitar um cigarro.
— Sério que você nunca fumou na sua vida? — Era impressionante como o mais velho tinha uma capacidade incrível de começar ou continuar assuntos, estava adorando isso.
— Pois é — Hoteleiro acendeu o seu cigarro, na real não tinha a mínima ideia de como fumar. Nunca foi esse tipo de pessoa.
Hoteleiro estava esperando o mais baixo levar o cigarro a boca, começou a rir quando viu que Porteiro estava encarando o tabaco, tentando entender como aquilo funcionava.
— Quer que eu te ensine a fumar? — Perguntou, estava brincando. Riu mais quando recebeu um olhar irritadiço do outro.
— Eu aprendo sozinho — Levou o cigarro a boca, tentando imitar Hoteleiro. Já tinha visto varias vezes os moradores de Santo Berço fumando, não devia ser assim tão difícil.
— Tenta não inalar demais se não... — Porteiro já estava tossindo a esse ponto.

[...]

Já era a quarta tentativa para que Porteiro fumasse, até o momento Doutor não voltou. Parecia que eles teriam tempo de sobra para continuar ali.
Mas a cara do grisalho continuava arranhada. E doía a cada vez que mexia os músculos faciais, mas ele não estava ligando nem um pouco para isso. Estava aproveitando a companhia de Porteiro.
— Vai vai, outra vez, tenta puxar só um pouco — O sorriso no rosto dele já deixava bem claro o que Hoteleiro estava pensando sobre a situação.
Porteiro tentou fumar novamente, seus olhos estavam lacrimejando um pouco por causa da fumaça. Ele finalmente conseguiu puxar ela sem começar a tossir feito um doente.
— Agora solta devagar... — E assim o moreno fez. Um sorriso genuíno no rosto quando após algumas tentativas conseguiu tragar o cigarro. — Aeeeeeee! — Hoteleiro comemorou, batendo palminhas.
— Finalmente! — Ele deu outra tragada, pela animação começou a tossir de novo. Arrancou mais risos contagiantes de Hoteleiro.
— Vai com calma...! É a sua primeira vez!
— A sua foi assim também? — Ele ainda tossia levemente, em sua mente veio a imagem de Hoteleiro tendo as mesmas dificuldades que si na primeira vez dele, era uma visão engraçada. O grisalho parecia super experimente em ser fumante.
— Não — Sorriu travesso.

[...]

Porteiro saiu da casa do Doutor junto de Hoteleiro, a companhia dele era agradável.
Agora o rosto do mais velho já estava devidamente curado, nem havia resquícios de que sofreu um ataque mortal de, bem, uma galinha.
Via que a névoa estava começando a aparecer, péssimo momento, as vezes sentia que aquele lugar lhe odiava.
— Eu tenho que ir tocar o sino. — Estava pronto para se despedir. — Até amanhã?
— Até!
E se afastaram.

[...]

Porteiro se remexia na própria cama, agora em roupas bem mais leves, tudo do pano mais macio possível, óbvio, era Santo Berço, logo teve que se levantar para pegar grafite e desenhar o símbolo em seu lençol.
Naquela hora ele se sentiu horrível, mas o presença do símbolo lhe fazia se sentir melhor. Mas mesmo assim, não queria isso, não queria se sentir melhor dessa maneira.
Não conseguiu conter as lágrimas, logo elas desciam sua face e molhavam o chão de madeira. Porteiro estava gritando, mas ninguém escutava, ele continuava sozinho, mesmo berrando. Ele queria ajuda.

Mas ela não veio.

amável escape - OSNFOnde histórias criam vida. Descubra agora