5. eu não consigo

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Os moradores saiam de suas casas aos poucos, lhe cumprimentando enquanto iam em direção a taverna. Em passos lentos Porteiro ia em direção a algum lugar, ele não sabia onde era, não estava com vontade de ir na taverna. Mesmo que tivessem lhe dito para se alimentar, não tinha ânimo. Por isso queria evitar Ajudante por enquanto.
Na realidade, queria evitar todo mundo, queria genuinamente evitar Santo Berço, mas sabia que não seria possível.
Ou talvez fosse?

[...]

— Ai caralho!
Um dos besouros de Santo Berço tinha acabado de lhe ferroar. Passava uma de suas mãos com rapidez na região picada, besouro infernal, ao menos agora estava morto, já que com o susto Porteiro deu um tapa forte nele.
— Bem feito. — Em sua mente só se passava como aquele inseto era idiota, perdeu a vida para lhe morder. Não resistiu em dar língua para o que sobrou do besouro.
Nesse momento seguia caminho para dentro da floresta, estava em busca de uma clareira onde pudesse ficar em paz. Avisou a Artista para onde estava indo por precaução, não queria ninguém desesperado achando que sumiu, e ela ficaria encarregada de os avisar caso sentirem sua falta.
Também lhe disse para não deixasse ninguém vir atrás de si, sob a desculpa de que estava atrás de inspiração para desenhar, e ela, como artista, lhe entendeu.
Torcia para ninguém se preocupar, mais ainda para que Ajudante não decidisse que viria atrás de si. Tudo o que Porteiro queria era um pouco de paz, coisa que ele nunca conseguiria fingindo ser aquele garoto feliz toda hora.
Esperava que respeitassem isso, pelo menos dessa vez.

[...]

Respirou fundo quando finalmente chegou numa clareira, estava longe do símbolo, por isso logo pegou sua faca para desenhar ele no toco de uma árvore que foi cortada. Se sentiu mal mais uma vez, sentia repulsa de si mesmo por ser tão dependente do símbolo.
Cobriu o toco de madeira com um pano, como forma de precaução caso por algum motivo alguém aparecesse do nada, tudo o que menos queria era explicar alguma coisa para um morador. Colocou seus lápis e cadernos sobre sua nova mesa improvisada, mesmo que estivesse com tanta vontade de desenhar agora, talvez algum novo pássaro ou até mesmo um dos besouros desgraçados que lhe mordeu.
Se deitou ali, sentindo um cheiro de grama, olhava o céu claro com uma sensação estranha no peito, em algum momento seus olhos se fecharam. Ele adormeceu.

[...]

Ferreira sentia sua mão ser segurada por seu filho, depois de 5 meses ele já sabia andar e manter uma conversa normalmente, era impressionante como aquele garoto aprendia rápido, sentia que ele estava pronto para conviver com os moradores de Santo Berço. Mas ele parecia estar com medo, muitas pessoas o cumprimentavam e talvez toda essa atenção estivesse lhe assustando, mesmo que com todo aquele ar amigável, estava acostumado a ver as pessoas apenas pela janela e ter a presença de ssomente seus pais, era estranho.
Estava com vontade de chorar de novo.
— Calma filho, vai ficar tudo bem. — Fazia um cafuné nos seus cabelos ainda longos, digamos que Ferreira estava com pena de cortar. — Todos aqui são seus amigos okay? Não precisa se preocupar.
— A-amigos? — Apesar de já saber pronunciar, ainda sentia dificuldade ao fazer. Também não conhecia o significado da maioria das palavras.
— Sim. É tipo... — Procurava uma definição simples, amizade é um conceito complexo. — pessoas em que você pode confiar.
— E-eu posso? – Estava puxando as vestimentas da mãe.
— Uhum, pode sim.
De repente não sentia mais as mãos da criança lhe segurando, o Filho da Ferreira demonstrava estar tímido, nervoso, mas parecia estar mais livre e solto do que antes.
Ferreira sorriu quando ele acenou timidamente para uma mulher que estava passando.

[...]

Acordou subitamente. Já era a segunda vez que sonhava em Santo Berço, estava ficando estranho.
Por sorte, ainda estava de dia. Porteiro provavelmente seria morto pelas criaturas da noite caso continuasse ali, mas logo descartou o pensamento, Santo Berço nunca mataria um manancial como ele.
Sentia sua cabeça latejar, logo a sua visão estava ficando turva, Porteiro tentou se levantar para voltar para a cidade, mas não conseguiu. Estava com fome e tinha ignorado totalmente o pedido do Doutor para ele se alimentar direito, assim como ignorou a preocupação de Ajudante sobre si.
Estava tentando focar seus olhos em algo, mas tudo parecia estar se mexendo.
Porteiro não percebeu uma movimentação esquisita nas árvores. Afinal tudo ficou preto.

[...]

Ajudante sentiu seu coração disparar.
Ele foi correndo em direção a Porteiro, agora desmaiado. Pegou seu amigo nos braços rapidamente, estava a mil, corria de volta para a cidade, não ligou para os galhos das árvores lhe cortando. Talvez Ajudante estivesse exagerando mas ele não se importava, seu amigo estava desacordado em seus braços e isso era algo que poderia ter sido evitado.
Esse fato que deixava a situação pior, a verdade incontável que Porteiro poderia não estar nessa situação agora se ele tivesse prestado mais atenção, se ele tivesse ficado mais próximo, se . Ajudante naquela hora se sentiu insuficiente.
— FERREIRO!! — Gritou pelo pai do desacordado quando chegou na cidade, nem percebeu que já estava de noite, nem as criaturas de Santo Berço que começavam a aparecer aos poucos.
— Ajudante? — Ferreiro saia da sua casa, a voz grossa dele era um fator importante para que pudesse o identificar na névoa. — Esse é o Porteiro? O que aconteceu?!
— E-eu não sei! — Exclamou, apertava com mais força o amigo em seus braços. — Ele só desmaiou!
Ferreiro olhava aquilo com uma cara quase furiosa, pensava no que infernos esse garoto estava fazendo para desmaiar assim do nada. Tomou ele dos braços de Ajudante, o levando com facilidade, acompanhado de uma brutalidade que assustou o mais baixo, assim o Ferreiro seguia em direção a casa do Doutor.

amável escape - OSNFOnde histórias criam vida. Descubra agora