6. esquecer disso

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Ajudante segurava com força uma das mãos de Porteiro, encarava a feição adormecida do seu amigo com preocupação. Doía toda vez que pensava que ele estava assim agora por não estar comendo, se repetia um pensamento de que Porteiro poderia não estar desmaiado agora caso tivesse prestado mais atenção.
Acariciava os fios negros com ternura, crente que seu amigo sentiria seu carinho. Ajudante esperava seu pai aparecer para examiná-lo, ignorava o olhar de Ferreiro para a situação, sabia que era um pai preocupado com o filho, mas a feição raivosa não deixava de lhe surpreender, talvez até assustar, sua mente focada apenas em observar Porteiro, no aguardo dele abrir aqueles grandes olhos negros.
Em algum momento começou a pensar no que ele diria quando acordasse, provavelmente seria algo como "não precisa se preocupar comigo" finalizado com um "eu tô bem", sorriu com o pensamento bobo, isso era a cara de Porteiro, sem sombra de dúvidas.
Estava junto de um silêncio, nem Ajudante nem Ferreiro iniciavam uma conversa, um debate, discussão, o que fosse, um por estar focado em um garoto adormecido e o outro talvez pela mesma coisa. Fica a questão de quais eram os diferentes pensamentos de Ferreiro, com certeza não era algo bom. Nunca era.
Na realidade, nenhum dos dois estava ligando para o silêncio.
Ajudante continuava acariciando os fios macios de seu amigo, o cabelo de Porteiro já estava totalmente bagunçado por causa disso. Nem sabia se estava fazendo isso pelo seu amigo ou para acalmar a se próprio, o pensamento da situação atual do adormecido voltou a sua cabeça, novamente, os minutos se passavam como horas.
— Ajudante. — Era Ferreiro. Ajudante não desviou por um momento a atenção do rosto adormecido, mesmo escutando a voz do mais velho, apenas soltou um murmúrio dizendo que Ferreiro poderia continuar falando.— O que exatamente aconteceu com o Porteiro?  — Perguntou, na esperança de ouvir uma resposta decente, antes o outro estava muito afobado
— Ele não anda comendo muito bem ultimamente. — Respondeu simplório, o carinho em Porteiro agora era feito em sua bochecha, Ajudante passava os dedos suavemente sobre ela.
— Como assim? — Ferreiro se sentou na maca do lado, afundando ela um pouco. Talvez a pobre maca não aguentasse tanto tempo com o grande homem sentado ali.
— Literalmente isso. Ele não tá se alimentando direito, simplesmente não sente fome! — Era expressivo, mexia a mão que não acariciava Porteiro. — Não sabemos o que tá rolando, mas o Doutor acha que é uma nova doença ou algo assim.
— E o sintoma é não sentir fome? — Colocou uma de suas grandes mãos na cabeça. Que coisa complicada, mesmo vivendo a anos em Santo Berço, esse lugar lhe surpreendia a cada dia.
—Justamente.
— Minha nossa. — Suspirou.

[...]

Doutor explicou para eles a situação, Porteiro realmente desmaiou de fome.
Nesse momento Ajudante levava o desacordado para a torre, escoltado por Ferreiro, garantindo que nenhum monstro de Santo Berço se aproximasse. Receberam as instruções de que tudo o que deveriam fazer agora era esperar que ele acordasse para que lhe dessem logo algo para comer.
Mais uma vez, a leveza de Porteiro incomodava, ele estava comendo tão mal assim? Fazia quanto tempo?

[...]

Ficou junto de Porteiro para que pudesse alimentar quando acordasse, se ofereceu para isso desde que Ferreiro não parecia interessado. Ao seu lado tinha um monte de comidas de Santo Berço, tinham ido até a taverna apenas para pedir algo mais reforçado. A situação estava complicada.
Trocava rapidamente as roupas de couro dele por uma vestimenta mais leve. Logo deitando Porteiro na cama.
— Meu Santo, Porteiro — Se sentou na cama, ao lado do amigo. Ainda no aguardo dele abrir os olhos. — O que tá acontecendo com você, afinal? — Perguntou, mas sabia que ele não lhe responderia. Ajudante estava falando sozinho.
Complexo, Porteiro era complexo.

[...]

Ajudante já estava quase adormecendo quando sentiu uma movimentação na cama, se levantou num pulo.
— Ah... — Porteiro acordou e agora ele sentia sua cabeça doer, latejar. Se apenas lembrava de ter apagado na floresta.
— Porteiro! — O azulado exclamou, Porteiro soltou mais um gemido de dor quando o ouviu, puxava seus cabelos negros. — Se lembra de algo? Tem algo doendo?!
— Ah, calma, fala mais baixo... — Tentava se recompor, estava difícil com seu amigo eufórico ao seu lado. — O que aconteceu?
— Você desmaiou na floresta e eu te trouxe pra Santo Berço — Atendeu o pedido do amigo.
— Como assim você me trouxe? — Tentava raciocinar, em tese não tinha como Ajudante ter trazido ele para cá, desde que ninguém sabia onde ele estava.
— É exatamente isso.
Porteiro pensou um pouco.
— Você me seguiu? — Perguntou, um tom de indignação na sua voz.
— Depois falamos disso. — Ajudante não estava com vontade de lidar com aquilo agora, principalmente quando a saúde de Porteiro estava em jogo. — Você tem que comer.
Porteiro fez uma expressão impaciente, mas só concordou. Não teria como forçar Ajudante a falar sobre isso.
Em sua frente foi colocada uma bandeja com manteiga na manteiga e sanduíche no sanduíche e outra coisa que julgou como algum doce saudável, um copo de suco no suco, outro de água. Se viu sem escolha, teria que comer.
Comia aos poucos, sentia o olhar de Ajudante sobre si, parecia que ele estava garantindo que não sobraria nem uma migalha de comida naqueles pratos. Ele ainda estava sentado ao seu lado, encarando a manteiga na manteiga, Porteiro sabia que ele estava morrendo de vontade de comer um pouco também, mesmo assim ele não pedia, para que pudesse comer tudo.
— Você quer? — Ofereceu, apontando para o alimento recém citado.
— É pra você. — Resposta evasiva. Óbvio que Ajudante queria, era o prato favorito dele.
— Podemos dividir. — Sorriu, daquela sua forma gentil e alegre.
— Mas é pra voc‐ — Porteiro pegou uma colher e deu na boca de Ajudante enquanto ele falava, ele engoliu tudo. — Acho que só um pouco não tem problema né...?
— Claro que não!

[...]

Terminou de comer, naquele segundo percebeu que não estava com suas roupas habituais.
— O que aconteceu com as minhas roupas? — Perguntou, olhando a camisa de linho que estava usando, era bem grande. E confortável.
— Eu troquei você. — Pegava os pratos sujos e levava para um canto. Não totalmente indiferente para o que estava falando, como se fosse algo totalmente comum.
— Você o que?! — Puxou um pouco as cobertas.
— Eu não vi nada, okay? — Disse, voltando para a cama. — E o que é que tem? Já te vi pelado várias vezes mesmo.
— Continua sendo estranho, seu esquisitão — Fez questão de jogar um travesseiro nele.

[...]

A noite ainda durava, Ajudante não teve oportunidade para sair da torre, continuava ali. Fazendo companhia para Porteiro.
— Quanto tempo você acha que vai durar? — Porteiro perguntou, fazia um tempo que estava a noite.
— Não tenho ideia, sabe como é Santo Berço.
— Sim... Eu sei sim.

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⏰ Última atualização: Nov 30, 2020 ⏰

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