VII

54 18 55
                                    

23h:00min.

O Titanic recebeu advertências sobre a ameaça de icebergs durante a viagem e nem todas elas foram comunicadas ao capitão. Era perigoso seguir em frente mesmo para uma embarcação de grandes proporções.

Estava uma noite particularmente escura. Nuvens não eram vistas e não havia lua para colaborar com a visibilidade. Às 23h:20min, tampouco as águas pareciam presentes de tão serenas, o que era uma situação preocupante. Águas como aquelas sugeriam a presença de blocos de gelo. Detalhe este, que infelizmente estava longe da ciência dos marinheiros daquela época.

Às 23h:25min, Helen e Luiz se separaram para iniciar o plano do historiador. Helen ficaria de tocaia para que nenhum oficial surgisse de surpresa e apanhasse Luiz enquanto ele emboscasse o primeiro e o sexto oficial Willian Murdoch e James Paul Moody.

Erguendo-se então de onde espreitava, o historiador aproveitou uma distração de Moody e saltou sobre ele desferindo socos em seu rosto e peito, mas fora pego por trás pelo primeiro oficial que vinha chegando. Luiz conseguiu se livrar de Murdoch em um movimento brusco. 

Moody recuperou-se e se atirou contra quem o atacou, derrubando-o no chão e o imobilizando. Murdoch agarrou o leme outra vez ao mesmo tempo em que outros dois oficiais apareceram às pressas no local. Um deles segurando Helen pelos pulsos, para o desespero de Luiz.

– Sr. Murdoch! – chamou o afoito oficial cujas mãos estavam livres. – Essa garota aqui, embora da primeira classe, estava espreitando de forma muito suspeita, e eu... ué! O que houve por aqui?! Estão feridos! E quem é este aí no chão?

– Esse louco nos atacou do nada! – respondeu Moody fervilhando de raiva, enquanto pressionava Luiz contra o chão. – Não fique aí parado e algeme este homem junto a essa menina. Pode ser que estejam juntos em algum esquema criminoso! Melhor informar ao capitão Smith sobre o ocorrido.

Luiz estava sendo erguido do chão para ser algemado enquanto tentava justificar sua atitude, quando o sino de latão o interrompeu ao ser tocado três vezes no ninho de pega. A atenção de todos de repente mudou. Helen teve seu rosto empalidecido pelo terror ao encarar seu amigo e visualizar na face dele o que Murdoch começou a bradar quando entendeu a razão das badaladas: "ICEBERG BEM EM FRENTE!"

Luiz se aproveitou da correria instaurada para agarrar o pulso de Helen e correr com ela para longe dos oficiais. Porém, antes que o fizesse ele pôde ver com clareza uma silhueta se agigantando depressa contra o Titanic há pouquíssimos metros.

O navio estava curvando, mas não rápido o bastante. Naquele momento, a tripulação estaria tentando parar os motores. O leme possivelmente estava todo virado. Fornalhas estavam sendo fechadas e o relógio marcou 23h:40min quando um forte tremor acometeu jogando Helen e Luiz contra o chão do convés.

Um tenebroso bloco de gelo estava arrancando rebites e entortando placas de aço do Titanic abaixo da linha d'água. Diversos compartimentos estavam sendo inundados. Helen e Luiz somente se levantaram do chão quando o tremor finalmente cessou. Por ordens do capitão, o navio foi reduzindo sua velocidade até suas máquinas pararem. Helen precisou de um momento para se recuperar do impacto que havia sido espelhado dentro de si.

Luiz não estava melhor do que a colega. Estudar sobre o Titanic e admirar sua estrutura não era o mesmo que viver sua tragédia. Era como se agora o mar fosse um monstro e ele devoraria todo o navio em no máximo duas horas. A água congelada mataria uma pessoa de hipotermia em poucos minutos. A sensação de perigo pulsava dentro do historiador, que nunca na vida se sentiu tão amedrontado.

Todos aqueles passageiros ainda em suas cabines... na terceira classe, muitas mulheres e crianças não conseguiriam sequer a oportunidade de lutar por suas vidas – a tripulação daria prioridade a sobrevivência da primeira e da segunda classe.

Em breve, o Titanic emitiria sinais de socorro pelo céu. Sinais que não seriam correspondidos de pronto. O navio mais próximo nas redondezas chegaria 4h depois do naufrágio e resgataria os poucos passageiros ainda vivos. O que poderia ser feito?

– Até que enfim encontrei vocês, seus ratos! – grunhiu uma voz familiar arrancando Luiz dos seus pensamentos.

O sexto oficial James Paul Moody resfolegava depois de uma busca incessante pelo convés. Apontava uma pistola trêmula para Luiz, creditando ao mesmo o navio ter sido condenado. 

Helen olhava de um para o outro em choque.

Com as mãos se erguendo com cautela, Luiz respondeu:

– Não somos criminosos. Por mais que não acredite em mim, fiz aquilo ciente do que ia acontecer. Jamais acreditariam em mim se tivéssemos tentando conversar. Talvez, se o navio tivesse batido de frente...

Eu não acredito em você! – retorquiu Moody, a tensão obscurecendo seu julgamento. – O capitão disse que o navio irá a pique. Merda! Carreiras serão destruídas! Vidas serão ceifadas! Eu mesmo posso acabar morrendo, mas se isso acontecer, partirei feliz em saber que puni o responsável pelo naufrágio!

– Não! – exclamou Helen assustada e avançou alguns passos. – Por favor, senhor, seja um homem misericordioso, esse rapaz não é uma pessoa ruim!

– É um rato da terceira classe, quem se importa?! – retorquiu Moody, exalando fúria. – Foi por causa dele que batemos! Se não fosse ele, eu teria visto o iceberg!

– Oficial, ouça o que está falando – pediu Luiz tentando se manter calmo. – Não tive nada a ver com o que houve. Lembre-se de que quando iam pôr as algemas em mim...!

– Cale a boca! – rugiu Moody impaciente e puxou o gatilho.

O disparo ressoou nos ouvidos do historiador e o ensurdeceu por alguns segundos, ao mesmo tempo em que sua mente teve dificuldades de compreender a primeira imagem que enxergou depois do tiro. Helen havia se jogado na frente do disparo. Luiz empalideceu. Transbordou em lágrimas ao ver com clareza o brilho nos olhos da senhorita da primeira classe se apagarem de uma vez por todas.

O navio dos sonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora