capítulo 8

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- Que preguiça. - murmurei. Meus olhos estavam vidrados na tela do computador, encarando o texto reescrito e salvo. Deixei o laptop de lado e deitei na cama. Acabei pegando no sono depois de alguns poucos minutos.

- Helena... - Ouvi a voz de Carlo.

- Hm? - Bocejei.

- Fiz comida. Quer que eu traga aqui?

- Uhum. - Me virei e vi a imagem dele encostado na porta do quarto. A luz do corredor estava acesa. Voltei a fechar os olhos e em pouco tempo ouvi um barulho de algo quebrando. Levei um susto e corri até a cozinha. - Carlo? - Parei na porta do corredor ao ver cacos de pratos no chão.

- Não vem pra cá. Vai se machucar. - Ele avisou. Continuei olhando pro chão. - Helena, vai pro quarto! - Insistiu.

Dei uns passos pra trás e fiquei o olhando pegar os cacos no chão e colocando-os na pia. Ele estava com as bochechas rosadas e com uma aparência bem cansada. Fiquei com receio de perguntar o que estava acontecendo.

Ele pegou dois outros pratos no armário e nos serviu de macarronada, serviu suco e colocou a comida numa bandeja. Sem olhar pra mim, seguiu reto até meu quarto. O comportamento dele estava cada vez mais estranho.

O segui até o quarto e sentei na cama, enquanto ele ficou numa cadeira. Peguei um dos pratos e comi um pouco do macarrão. Ele olhou pra mim sorrindo fraco, e devolvi o sorriso em seguida. Voltei a comer e logo fiquei satisfeita. Deixei o prato quase vazio de volta na bandeja e tomei uns goles de suco.

- Helena... - Carlo colocou o prato vazio em cima do meu.

- Vem cá. - Abri espaço na cama e ele veiose deitou do meu lado. Senti aqueles momentos de que faço papel de irmã mais velha.

- Já sentiu vontade de se matar? - Escondeu o rosto no travesseiro.

- O que aconteceu? - Me assustei com a pergunta.

- Responde. - suspirou.

- Sim, mas numa hipótese distante e que eu sei que se acontecesse iria deixar várias pessoas tristes.

- Não dá pra ser forte o tempo todo... Minha mente tá me destruindo. - reclamou com uma voz de choro.

- São aqueles comentários no YouTube? - Questionei lembrando dos comentários maldosos que as pessoas fazem nas nossas redes sociais.

- Também, mas não é só isso. - Deu ênfase no "só". - Por que eu não nasci normal?

- Você nasceu normal, meu querido. - Passei a mão no seu cabelo. Ele já estava chorando nesse momento. - Aliás. Você não é normal. Pessoas normais são chatas.

- Não sou melhor que ninguém.

- É sim. - Fiz uma pausa. - Você tem capacidade como qualquer um, mas o seu diferencial é que sabe usar as ferramentas que tem. Você é inteligente e faz coisas incríveis.

- Não minta.

- Não estou. - Sorri. - Sabe quantas vezes tentei editar um dos nossos vídeos, terminar um capitulo do nosso livro sozinha ou até cozinhar e perceber que nada ficava tão bom sem você? - Suspirei. - Você é meu melhor amigo. E um ser humano incrível.

- Mas... - Mesmo com a pouca iluminação, seu rosto inchado pelo choro estava bem aparente.

- Eu te amo. - Cheguei perto do rosto dele e beijei sua testa. - O fato de pessoas não gostarem de você é por que não tiveram tanta sorte. - Ele mordeu os lábios. - Eles queriam ser você, idiota. Não enxerga isso?

- A minha família não me aceita e parte do meu público me repreende. Como pode chamar isso de sorte? - Voltou a esconder o rosto no travesseiro.

- Olha... Faz pouco tempo que você contou a eles. Sabe que é um choque pra alguns. - Relaxei meu corpo na cama.

- Por que eles não podem só... Sei lá, me aceitar...? - Perguntou. - Preconceituosos são uma merda. Uns vadios mal comidos.

- Se xingar eles vai te fazer voltar ao normal, pode falar mais. - ri.

- Cansei disso. - Se levantou da cama num pulo e saiu pela porta.

- O que você vai fazer? - Segui-o até seu quarto.

- Falar com eles. - Pegou a câmera e a colocou no tripé.

- Quer ficar sozinho? - Perguntei já sabendo a resposta.

- Por favor. - pediu.

Fechei a porta e peguei meu celular no quarto. Me joguei no sofá e decidi ver um filme de terror, pelo menos até ficar com sono e dormir (o que não aconteceu).

O filme acabou e fiquei jogando no celular até as três da manhã. Estava acordada e com vontade de fazer algo, mas pelo horário não daria pra sair de casa. Fui até a cozinha esquentar água para um chá.

Quando estava colocando a água quente numa caneca, o celular apitou. Terminei de encher e levei a caneca até a mesinha da sala. Sentei no sofá e peguei o celular.

O Carlo está bem?, questionou Gusta no whatsapp.

Mais ou menos. Ele já postou o vídeo?

Sim. Dá uma olhada do canal principal., respondeu em questão de segundos.

Respirei fundo e acessei o canal do YouTube. Cliquei no vídeo intitulado "Preconceito". O vídeo começou com a imagem de Carlo com os olhos inchados, falando baixo sobre o que sentia. Em poucos minutos ele estava sorrindo e chorando, falando sobre religião, pessoas, família e o preconceito que estava atormentando ele.

O vídeo durou quase nove minutos, e os comentários clamavam força e fé. Obviamente alguns comentários insistiam em mostrar que o ser humano não aceita pessoas diferentes, e eu não me segurei. Respondi alguns comentários de haters e em seguida outros youtubers estavam comentando ali mesmo e no Twitter sobre o assunto.

Chamei o pessoal pra ajudar, Gusta me mandou uns minutos depois que vi o público de outros youtubers nos ajudando.

Fui até o quarto de Carlo e entrei sem bater na porta. Ele estava sentado na cama com o celular na mão.

- Eles estão nos ajudando. - disse.

- Estão subindo o nome do nosso canal no Twitter. - Comentei com a voz embargada. - Eu disse que você era bom. Toda essa gente está provando isso.

- Podemos abrir um grupo de apoio pra pessoas como eu. - Olhou pra mim.

- Você é gay, não tem problemas psicológicos! - Me deitei em cima dele e rimos. - Você está sorrindo?

- Acho que sim. - Fez careta. - Me sinto muito mais leve. Obrigada.

- Você que fez o vídeo. - Passei a mão no cabelo dele.

- Só achei estranho que não é só o nosso público. - Me mostrou na timeline. - E vlogers também comentaram. Olha aqui. A Kefera, o Luba, a Paty... Até o PC Siqueira tá dando força.

- Internet. - dei de ombros. Ele riu. - Vou te deixar aqui. Isso tudo me deixou cansada.

- Ok. - Ele me deu um beijo na bochecha e eu saí do quarto.

Obrigada, Gusta., mandei para Gusta e fui pro quarto. Deitei na cama e fiquei lendo e respondendo umas menções no Twitter. Acabei dormindo perto das oito da manhã.

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