Segredos do Passado Capitulo 1

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Por Elizabeth Almeida

Mais uma vez, me remexo na cama. Não consigo dormir. Hoje é meu aniversário e não suporto essa data. Não tenho nada para comemorar. Minha vida nunca foi das melhores; sempre marcada por brigas e agressões. São três horas da madrugada e eu preciso dormir. O dia de amanhã aguarda para ser enfrentado, mas minha mente insiste em retornar para aquela noite fatídica de 13 de outubro de 1998, quando eu completei 5 anos.
Minha mãe tinha apenas 19 anos quando conheceu meu pai e em menos de dois meses, passaram a morar juntos. Certo dia, minha mãe descobriu que estava grávida de um cara com quem ela costumava trair meu pai enquanto ele trabalhava nas quartas-feiras, e durante 5 anos ele acreditou que eu era filha dele, mas a minha aparência dizia o contrário: eu não parecia nada com ele; seu cabelo era liso e negro como a noite, seus olhos eram azuis como as águas límpidas de uma faceira nascente de um rio qualquer ao oeste; seu nariz era comprido e repleto de pintas amarronzadas. Já eu, herdei os cabelos ondulados e claros de minha mãe. Meus curiosos grandes olhos castanhos, não se assemelhavam com os de nenhum dos dois; minhas sardas espalhadas por entre meu nariz e testa, estavam fora de qualquer argumento que poderia dizer que eu era de fato, filha de meu pai de criação.

O resultado da traição, estava claro. Diante
dos olhos de todos.

Ele pediu um exame de DNA para saber se de fato, eu era filha dele. Como esperado, o resultado deu negativo. Minha mãe tentava convencê-lo de que deveria haver algum engano, mas de nada adiantou. Aquela era a única prova que ele precisava para confirmar suas suspeitas. Ele estava furioso. Eu estava debaixo da cama, ouvindo os gritos da discussão entre ele e minha mãe. Eu estava assustada. Eu só queria ter uma família normal.
Ele resolveu ir embora de casa e nos deixou sozinhas. Minha mãe não trabalhava na época, quem sustentava a casa era meu "pai". Ele levou todo o dinheiro que tínhamos e apenas deixou a casa para nós. Minha mãe nunca conseguiu arrumar um emprego fixo, por mais que ela tivesse experiência em áreas administrativas, ela nunca havia trabalhado com sua Carteira de Trabalho registrada oficialmente, não havendo assim, quaisquer indício que ela de fato, teria alguma experiência em alguma coisa. Ela apenas conseguia meros estágios ou cargos que duravam no máximo dois meses e que pagavam menos que um salário mínimo.
As dívidas estavam aumentando e os trabalhos temporários não estavam sendo suficientes para sequer, colocar alimento em casa. Ela estava em uma corda bamba, não sabia mais o que fazer. Ela dizia que a culpa de tudo o que havia acontecido, era inteiramente minha, afinal, eu era resultado de uma traição, eu era um erro. Talvez se não tivesse nascido, muita coisa teria sido evitada.
Aos 17 anos encontrei uma mulher que era a antiga dona e cafetina de uma casa noturna, enquanto buscava um emprego para pagar as contas da casa e ainda, tentar ajudar a minha mãe. Eu estava lendo um jornal em busca de vagas de emprego e essa mulher, sentou-se em minha frente. Eu não sabia o que dizer ou como reagir, apenas encarei a loura que estava diante de mim, até receber uma resposta para minha muda pergunta. Ela soltou uma gargalhada e disse que percebeu que eu estava inquieta. Ela disse que havia ficado curiosa que uma jovem "tão bela como eu", estaria em busca de um emprego em meros folhetos jornalísticos.
Eu não sei como ou quando aconteceu, mas de repente, eu estava rindo de suas peculiares histórias de quando era mais jovem e robusta. Eu havia perdido totalmente a noção do tempo, não fazia ideia de quantos minutos - ou horas - eu estava conversando com uma mulher cujo nome eu não sabia.
Nós estávamos conversando sobre nossas vidas e o quão desastroso era nosso passado, e quando contei minha história, ela me fez uma proposta de trabalho, não me importei em saber os detalhes e logo aceitei. Olhando para trás, vejo que esse foi meu primeito erro.
Passaram-se os anos e nos tornamos muito próximas e viramos amigas. Ela comandava cada canto do lugar; me ensinou como sobreviver lá dentro e me mostrou como governar aquele reino de sexo, drogas e dinheiro sujo. Quando ela faleceu, eu me tornei chefe. O meu salário estava maior e eu estava ajudando minha mãe cada vez mais. Minha mãe ao invés de usar o dinheiro que eu lhe dava para comprar alimentos e pagar as contas, usava para comprar bebibas, e eu não sabia disso, até que diversas cartas de cobrança em meu nome, começaram a chegar pelos correios. Quando soube, o sangue subiu-me a cabeça e uma onda explosiva de raiva, tomou-me o peito. Tentei conversar com ela e pedir-lhe uma explicação, eu disse que iria parar de dar-lhe dinheiro, se ela não começasse a colocar prioridades em sua vida; o diálogo apenas a deixou furiosa, as veias em sua testa saltavam ligeiramente, enquanto sua face se contorcia em desgosto e melancolia.
Como era de se esperar, ela não estava sóbria. Mas jamais havia tomado uma atitude tão radical quanto tomou: ela me expulsou, disse que eu jamais colocaria os pés dentro de casa novamente. Quando minha falecida amiga e chefe descobriu, logo me colocou para dentro do bordel, e passei a morar no lugar. Eu precisei me mudar para o trabalho, dormia em um quarto pequeno com uma cama e um minúsculo armário em que guardava meus poucos pertences. Eu continuava a trabalhar lá, e as vezes a minha mãe me procurava, para conseguir dinheiro e comprar suas bebidas. Geralmente, ela usava a desculpa de que as contas estavam atrasadas, eu sabia que era verdade, mas ela não usaria o dinheiro para pagá-las. Infelizmente, eu ainda tinha um coração. Eu sentia pena de minha mãe, nosso relacionamento estava cada vez mais tóxico e desgastante, mas eu não conseguia deixá-la para trás, então eu dava dinheiro para ela. Alimentava seu vício. Era aquilo que a fazia feliz.

Eu estava contribuindo para a morte lenta de minha mãe, mas ela estava feliz.
E eu estava cansada.
Eu estou cansada.

O alarme de meu celular despertou, eu não dormi essa noite, e isso não é uma surpresa. Preciso levantar, está na hora de voltar a trabalhar.
Observo os remédios receitados por meu psiquiatra em minha velha e desgastada estante. Eles já não estão mais funcionando.
Eu preciso de algo mais forte.

Eu preciso de algo que me faça lembrar de que eu estou viva.

R.Augusta: A Sétima chaveOnde histórias criam vida. Descubra agora