Amarguras da Vida I Capítulo 8

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Quando os patrocinadores deixaram a sala de Elizabeth com uma feição estranha e após horas de espera ela não havia saído de lá, eu soube que algo estava errado.
Deixei a pasta com os contas do mês em cima da minha mesa e logo fui ao encontro da sala de minha chefe.
Ao me aproximar da robusta porta de madeira lapidada, ouvi diversos resmungos e um som que se assemelhava a um choro com sofreguidão.
Abri a porta vagarosamente e encontrei Elizabeth sentada no chão de seu escritório com sangue por suas mãos e uma tremenda bagunça por todo o local.

"O que diabos aconteceu aqui?"

—Elizabeth? Você está bem? Precisa de alguma coisa? — perguntei com uma clara preocupação em minha voz.
— Débora o que você está fazendo aqui? Você deveria estar organizando as contas do mês. — Elizabeth tentou levantar-se e vir ao meu encontro, mas perdeu o equilíbrio e um extenso suspiro de dor tomou conta do ambiente. — Você não deveria estar aqui, me deixe sozinha.
— Eu não irei te deixar sozinha. O que diabos aconteceu aqui? — após perceber um olhar desconfortável de Elizabeth, eu notei que o assunto era muito mais complexo do que eu imaginava — Você sabe que além de ser a sua recepcionista e assistente, sou sua amiga Eliza. Nós nos conhecemos há anos. Por favor, me conte o que realmente aconteceu.
— Apenas tive alguns problemas com os patrocinadores.
Olhei em volta. Seu escritório estava um caos completo: papéis espalhados pelo chão; garrafa de Whisky derramando seu líquido quente pela mesa ao lado da janela; marcas de sangue pelas paredes e móveis. Aquilo definitivamente não foi resultado de meros problemas com os patrocinadores.
Suspirei fundo e olhei no fundo de seus desesperançosos e escuros olhos.
— Tem algo muito errado. Não tem? Me conte a verdade Elizabeth.
Após longos minutos de silêncio e uma evidente batalha interna de Elizabeth para decidir se era cabível me contar a real situação ou não, a esguia mulher de trinta e sete anos, havia se decidido.

— O Márcio veio aqui. Ele entrou pelos fundos e não pôde ser visto por ninguém, nem mesmo por você. Tivemos uma conversa complicada e intensa — Elizabeth me estende a mão para que eu possa ajudá-la a levantar.— Digamos que, as coisas não tenham saído como eu esperava, e quando eu digo isso, quero dizer que as coisas saíram completamente do controle — Ela caminha em direção a sua cadeira com minha ajuda e logo se serve com o restante da garrafa de Whisky.
— Eu vacilei Débora. — Ela toma em um só gole seu whisky inteiro, deixando o copo vazio.— Eu sabia que não deveria brincar com o peixe grande, mas eu insisti em provocar o tubarão. As consequências do que fiz no passado, estão vindo para me cobrar anos depois.
— E quanto a esse ferimento em sua coxa? Está terrível. Me conte o que aconteceu e me deixe te levar para o hospital.
— Eu e ele tivemos uma discussão acalorada e você sabe o que uma discussão acalorada com o Márcio significa — Ela apontou para o ferimento vermelho e profundo em sua coxa.— E não, eu não irei ao hospital. Aquele cara tem olhos por toda a cidade. Quanto mais eu ficar fora dos olhos de seus capangas, menos riscos terei de ser pega desprevenida e acabarem me matando.
A minha garganta estava seca. Eu sabia que Elizabeth não era a pessoa mais bondosa existente, mas o Márcio não tinha o direito de machucá-la de uma forma tão intensa. Literalmente.

— Apenas me ajude a limpar essa bagunça. Não vou conseguir fazer isso sozinha.
— Sim, claro.
Enquanto Elizabeth tentava tirar as marcações de sangue do escritório, eu limpava a bagunça que estava espalhada pelo chão.
Quando retirei uma pasta de cima de alguns papéis para guardá-la no armário, eu me deparei com uma foto.
Estávamos eu, Elizabeth e minha irmã Cristine, em uma festa que ,coincidentemente, foi dada pelo Márcio.
Éramos tão jovens. Tão felizes.
Uma onda de nostalgia me toma o peito e relembro os momentos incríveis que vivemos nesse dia. Com Cristine.

Onde será que ela está?
Será que ela está pagando por seus atos?

Esses pensamentos estavam rondando em minha mente. Quando terminei de arrumar a sala de Elizabeth, tudo pareceu confuso e sem sentido. Quando o passado é trazido à tona, o seu presente torna-se uma tortuosa indagação.
Para clarear a mente, resolvi sentar-me ao bar vazio e fazer companhia para o barman.
— Você é a última pessoa que eu esperava sentar em uma cadeira aqui no bar. — Disse Carlos, guardando uma taça em um armário de vidro ao lado das bebidas. O sorriso sacana em sua voz era evidente. — Quer dizer que você resolveu largar a papelada para juntar-se aos bêbados? — Seu sorriso estendia-se de forma singela pelo lado direito de sua boca. Sua sobrancelha arqueada mostrava o divertimento com a situação.
— Fique quieto Carlos, apenas me sirva um vinho, por favor. Minha vida já está demasiadamente amarga, nada como um vinho para deixar ainda mais. — O charmoso homem soltou uma risada fraca e logo foi ao encontro do armário de taças.
— Garota, o que aconteceu com a sua vida? — perguntou, me servindo um vinho seco produzido em 1978. — Aliás, como você veio parar aqui? Você sempre me intrigou. Não parece ser do tipo que curte um striptease muito menos uma voyeur. — Ele estava novamente de costas enquanto organizava as bebidas e as taças do bar.
— Eu não saberia por onde começar. — Tomei o primeiro gole do antigo vinho. Não sabia se o gosto amargo que estava em minha boca era consequência do contato do vinho com minha língua, ou se a era apenas o gosto da minha vida, eclodindo da minha alma.
— Comece me falando sobre sua infância, depois de sua juventude e me conte como veio parar nesse lugar. — Ao se virar, notou o olhar de desconfiança e ironia que pairava meu rosto. — Não me olhe assim. Eu preciso de algo para me entreter enquanto guardo essa louça cara e brilhante no armário.
Ele me serviu mais uma taça de vinho e abriu uma cerveja para si mesmo.

— Agora vamos, conte-me sobre o prefácio de sua lastimável vida.

R.Augusta: A Sétima chaveOnde histórias criam vida. Descubra agora