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A exaustão presente no corpo de Draco ia muito além do físico.

Não se tratava sobre as horas extras que fizera no trabalho, sobre como a sua coluna se curvava quando ele revisava e assinava documentos chatos - como Harry costumava falar sempre - sentado no tapete da sala de estar, sobre o fato de estar há horas seguidas trabalhando incansavelmente para tirar qualquer resquício de Harry Potter de sua mente agitada.

Era sobre como ele se lamentava todos os dias, melancólico. Sobre como ele deixava a tristeza invadir o seu peito quando via os sais de banho na gaveta do banheiro, sobre como a saudade lhe goleava quando encarava a cama que, por anos, pertenceu aos dois.

O apartamento que antes costumava ter uma felicidade habitual já não acendia há muito tempo. O som  na mesa da cama era limpado praticamente todos os dias como ritual, mas nunca ligado; doía perceber como aquele costume de dançar todas as manhãs se tornou nada além de lembranças felizes.

Pela primeira vez em muito tempo, Draco deslizou os dedos longos pelos botões do som. A música soou pelo quarto, começando em um ritmo calmo antes de transitar para uma batida mais dançante. Não era só o som que vibrava; o coração no peito de Malfoy errava as batidas descompassadas, tão alta que ele podia ouvi-las mesmo com o som bem em sua frente. Quando puxar o ar se tornou uma missão muito difícil, ele segurou o som entre as suas mãos e o atirou para longe, quebrando-os em milhares de partes. E mesmo estando tão repartido, ainda estava mais construído que os cacos de seu coração.

Ele apressou em passos errantes até o banheiro, onde sequer teve tempo de retirar as suas peças de roupa; entrou na banheira rapidamente, sentando embaixo do chuveiro e deixando a camisa grudar em seu peitoral. Passou a mão pelos cabelos e pelo rosto, sufocando um choro compulsivo que logo se tornou a maior prova da sua tristeza naquele momento.

Foi o pior local para tentar buscar consolo; ali era tão repleto de memórias quanto a sala, quarto, cozinha… as vezes em que dividiram o banho, que lavaram o cabelo um do outro, que dançaram uma dança sensual e desleixada embaixo da água corrente pela manhã, que deixaram os seus lábios se encontrarem a medida que as mãos satisfaziam um ao outro, quando, tomados pelo prazer, sentiam a boca um do outro percorrer os seus corpos como um rio. Todos esses momentos que garantiram a sua felicidade durante tanto tempo; ele realmente pensou que seria para sempre.

E sequer fazia sentido tanta dor. Fora ele que perdeu, que deixou o seu amor escorrer em seus dedos, priorizando demais outras coisas para perceber que o amor que sentia estava se tornando monótono. E como isso aconteceu? Quando as danças de manhã deixaram de ser um bom início de dia, quando ele parou de perguntar o que havia perdido enquanto Harry dormia pois não se importava mais com o tempo que perdera, quando segurar a sua mão não lhe acalmou mais?

Não tinha um dia que ele deixava de martelar onde errou, quando tudo começou e quando ele continuou insistindo num erro que fazia os dois mal. Se lembrara das expressões sonolentas de Harry todos os dias, num horário incerto, quando ele lutava contra o sono para ter certeza de que Draco chegaria bem. E conseguia imaginar a sua feição de descontentamento e o suspiro triste que escapava de seus lábios quando ele acordava e percebia que estava sozinho mais uma vez. E assim, o ciclo se repetia, machucando-os cada vez mais, matando-os por dentro.

Ele ainda consegue se lembrar da última lembrança feliz que sentiu antes de tudo desandar. Eles estavam deitados sobre a cama quentinha, Draco estava com a cabeça descansada no peito do moreno, respirando devagar, relaxado. As mãos de Harry apertavam o seu corpo contra o seu, com medo de que ele fosse embora. Tinham acabado de fazer amor, estavam cansados, mas felizes.

"Eu tenho medo de você ir", foi o que saiu dos lábios de Harry. Draco ficou calado por um tempo, antes de colar as suas bocas em um beijo desleixado. Depois, encarou-o através das orbes azuis que deixavam explícito a real preocupação que pairava sobre sua cabeça e esvaziava pelo seu olhar.

"Você nunca vai me perder. Nunca. Eu ficarei sempre aqui, por você, com você", essa foi a resposta. Simplesmente. Bastou isso para que o sorriso de Harry crescesse, brilhando no rosto gordinho e avermelhado. E então ele relaxou mais uma vez, afrouxando o aperto ao redor do corpo de Draco e descansando sua cabeça sobre o travesseiro.

Mais tarde do mesmo dia, eles conversaram sobre a hipótese de adotarem um bebê. Os dois se sentiram ansiosos e felizes, animados com a ideia de uma criança alegrando aquela casa que já era muito feliz, mas o assunto aos poucos fora morrendo. Harry continuou procurando por agências de adoção e tentava tocar no assunto, mas sempre era brutalmente interrompido. Então, ele também desistiu por completo, e foi aí que tudo desandou.

Draco consegue lembrar perfeitamente tudo que aconteceu no fatídico dia em que Harry foi embora de vez. Enquanto o loiro trabalhava, ele juntou a maioria de suas roupas e acessórios e esperou que ele chegasse. Draco lembra de perguntar o porquê da mala, com o coração se apertando na ausência de respostas. E a primeira lágrima escorreu, seguida de muitas, que acompanhavam os pedidos desesperados para que Potter ficasse, que ele prometeria voltar a fazê-lo feliz.

Ele ainda consegue sentir o toque quente de Harry em sua bochecha, acariciando-a por cima das lágrimas. Consegue sentir o toque dos seus lábios contra a sua testa e em sua boca salgada toda vez que fecha os olhos, consegue sentir o encontro das suas testas enquanto a sua respiração agoniada preenchia o quarto. Ele ainda lembra de como os seus dedos ficaram dormentes depois de tanto segurar a camisa do mais novo, repetindo "não vá, fique comigo" tantas e tantas vezes.

Mas Harry não o ouviu, e Draco jamais poderia culpá-lo por isso.

Ele aguentou muito. Draco sabe, porque os seus últimos momentos foram os piores. Mas não foi por falta de amor; Malfoy ainda o ama com toda a sua força, e tem certeza de que o amará pelo resto de sua vida. Draco não sabe dizer ao certo o porquê de seu relacionamento tomar o rumo que tomou, mas aconteceu, e ele não poderia se culpar mais por isso.

Agora, o seu amor está provavelmente com outro homem. E tudo que ele tem a fazer é afogar as mágoas e se culpar por tudo que fora causado por si.

🦁+🐍
© daeggucci

When I Was Your Man - dra.rryOnde histórias criam vida. Descubra agora