As lagartas não ligam muito para as nojeiras do dia a dia. Suas vidas eram baseadas no princípio maquiavélico das coisas: comiam bastante, fazendo anéis e anéis de gordura em seus corpos, originados das folhas que comiam fervorosamente, tudo para alcançarem um dia o mais alto dos pontos altos na vida de qualquer larva: virar mariposa. Desejo tão profundo esse, que as larvas criaram em algum momento as leis secretas. Nunca ditas, apenas entendidas, consistiam no ideal de não olharem o próprio reflexo, ou desviar o olhar para quaisquer outras lagartas, já que estariam observando algo efêmero, nojento, uma piada de caráter maldoso. Viviam suas vidas de maneira silenciosa, rotinando pelas árvores e tomando o cuidado de nunca esbarrarem uma com as outras. Ansiavam pelo dia em que iriam isolar-se do mundo em um casulo e renascerem como seres perfeitos.
Assim foram todas os dias daquele tenebroso Inverno chuvoso, todas as lagartinhas trabalharam de maneira eficiente e sem medo do cansaço, mas exerciam esse trabalho como quem mexe com fezes: fazendo certo para nunca mais fazer de novo. Em especial a lagartinha de pintas azuis passeava pelo galho, toda rechonchuda, procurando o melhor ponto para pendurar-se e esquecer que essa forma um dia existiu.
No período que passou encapsulada, acompanharam-na em galhos vizinhos as outras lagartas, todas olhosas, mas preparando-se também para compartilhar o mesmo destino. No finalzinho do Inverno, todas as lagartas do mundo já estavam em seus casulos. Adormecidas, sonhadoras dos sonhos de beleza pura, fantasiando sobre o vento áureo da vida nova acaricia-las em seu primeiro voo.
Os meses passaram, e o chegar da primavera fora o tocar das trombetas para os casulos, que lentamente descascavam até que houve a primeira rachadura. Após essa, todos os outros casulos abriram em uníssono, lá iam as belíssimas mariposas, caçadoras de sol, acordando do que chamavam de "O Primeiro Sono", iam fazendo suas por aí.
Ali, da casca velha de onde emergiria a forma de vida perfeita, com suas patinhas tímidas e antenas desenrolando para sentir o mundo pela primeira vez, saiu uma borboleta. Suas asas eram de um amarelo hipnotizante, revestida com um brilho de pérola, toda sua pele era brilhante e lisa como o mármore. Vieram todas juntas, as mariposas felpudas em seus trajes bege, admirar o milagre da natureza.
O silêncio consigo trazia o suspense, os rostos sem expressão faziam crescer a insegurança no coração da borboleta, entretanto, não houve maneira de bater asas antes que a multidão de mariposas viesse voando em uma nuvem mortífera, rasgaram suas faces para crescer uma boca, devorando cada pedaço daquela abominação que nascera para contrariar o sonho. Primeiro escutou-se o zunido de um milhão de asas batendo ao mesmo tempo. Depois que todas as mariposas foram embora, não restou nem o casulo para contar a história.
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Contos para os Morros
Cerita PendekUma coleção de 12 contos que existem entre a linha tênue que separa realidade de ficção.