Prologue

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Confusão de carros e motos parados próximos ao caminhão tombado que esmagava a parte traseira do veículo prata. A placa foi reconhecida de longe pela senhora que procurava entender o que acontecia, pescoço esticado procurando sobreviventes e temendo que algo de mais terrível houvesse acontecido. Os paramédicos levaram um na maca. Ajeitou os óculos e deu uma bela olhada no dançarino, seu genro, mas não se interessava por ele.

Oh Sehun era a pessoa que ela mais odiava. Mesmo estando visivelmente machucado, a sogra não se importou.

Mas ao ver o filho sangrando no chão e sendo reanimado por um homem vestido de branco perto do caminhão, sentiu a pressão cair. Com as poucas forças que ainda tinha na idade avançada que estava, arrastando-se pelo tumulto que pessoas curiosas causavam num burburinho incômodo, correu até os seguranças que fechavam a passagem para que ninguém além de pessoas autorizadas pela polícia pudesse passar, seguida pelo caçula, que se sentia sufocado na multidão. Aos prantos, gritou:

— Me deixe ver ele! Aquele é meu filho!

— Junmyeon! Por favor, senhor, ele é meu irmão. Deixa a gente entrar!

Dois oficiais se aproximaram e acompanharam a senhora até a ambulância em que Kim Junmyeon era colocado. O outro filho pegou carona na que transportava Oh Sehun, que estava dirigindo o carro no momento da colisão.

Ainda consciente, Sehun chorava. Seu corpo tremia pela adrenalina e o medo era o sentimento mais forte que sentia. Tudo doía. Sua perna direita havia sido perfurada por um pedaço longo de ferro que atingiu em cheio a para-brisa, caiu do caminhão quando ele tombou atravessado na pista. 

Testemunhas disseram que o passageiro dianteiro do carro prata aparentava estar bêbado, tentando agarrar o condutor, que acabou perdendo a direção. Não só por imprudência da parte deles, mas também do motorista do caminhão de grande porte, desatento da pista, que olhava para o celular e sofreu uma hemorragia craniana ao desviar do carro, que ziguezagueava pela pista, e bater com a cabeça na janela. Não houve sorte em nenhuma das partes, mas os policiais acreditaram em milagre quando viram o estado do carro e que ainda havia sobreviventes. Sem dúvidas, inacreditável.

Sehun temia por Junmyeon, por sua perna e pelo motorista do caminhão. Muitas coisas em jogo. Soluçava e nem percebeu quando um socorrista espetou uma agulha em sua veia, só foi fechando os olhos e sentindo que sua vida estava por um fio. Se Junmyeon morresse, ele esperava morrer também. 

Porém, não foi o que aconteceu.

Ficou sozinho no quarto ao lado, ouvindo a sogra chorar pelo filho no corredor. Não que não estivesse acompanhado, e estava sim, de outro paciente que fazia inalação e gemia enquanto a enfermeira trocava seu soro. Sehun tentava pensar em algo que não fosse o fato de agora não ter uma das pernas, ou de não ter autorização da família de Junmyeon para que visitasse-lhe. Olhava para o teto, pensando em como seria se não tivesse aceitado o convite de Junmyeon para que saíssem, se não tivesse deixado-o se embebedar por estar triste com uma nova briga com sua família sobre a relação dos dois e se não se oferecesse para dirigir em seu lugar. Seu erro foi ter saído de casa naquele dia, foi o que concluiu.

Não estava mesmo triste por sua perna. Ele lidava com as grandes possibilidades da vida; principalmente as formas de morte. Achava que as probabilidades de perder a perna num acidente fosse duas em cinco mil, aquele foi o primeiro e único acidente de carro que sofreu. A julgar pelas condições do carro, pensou que teve sorte mesmo. Mais tarde soube que o motorista do caminhão morreu e deixou uma filha de treze anos completamente órfã, sentiu muito por ela.

Lamentar por não ter uma família decente também não era uma boa ideia para se distrair naquele quarto que cheirava a tristeza. Pais mortos de velhice, irmão vivendo à base de entorpecentes, tios descontentes por ter um sobrinho homossexual e nenhum outro parente que se livrasse daquele monte de péssimos motivos para estarem vivendo. Eles não tinham uma vida para se orgulhar. Sua família era ainda mais mal-sucedida que si próprio.

Então se lembrou da sua avó. Chorou em frente ao colega de quarto, que o olhava parecendo afetado. Sentia falta de sua avó e só havia contado para Junmyeon o quão triste estava pela partida dela. Lembrou-se do irmão o visitando e oferecendo um tipo de pó, dizendo que iria deixá-lo mais contente por isso, mas Sehun sempre foi consciente de que deveria viver para mostrar àquela família de merda que seus esforços para rebaixá-lo por sua orientação sexual eram em vão. Se viciar em cocaína e morrer de overdose não estavam incluídos na sua lista.

Não suportou a dor e chorou também por sua perna. Pediu para que a enfermeira deixasse-o ligar para uma funerária para sepultarem sua velha amiga.

Junmyeon ficou em coma durante uma semana e mais alguns dias, Sehun não podia ter muitas informações do estado dele por proibição de sua mãe.

Em uma tarde qualquer, quando Sehun voltava para o quarto sozinho na cadeira de rodas, avistou o namorado andando pelo corredor, indo na mesma direção que si. Aumentou a força nos braços para empurrar as rodas para que pudesse acompanhá-lo na caminhada. 

Junmyeon sabia que aquele homem era Oh Sehun, o que estava consigo no dia do acidente. Ou ao menos achava que sabia. 

Tentou abraçar as pernas de Junmyeon, mas ele se afastou, receoso. Sehun arqueou as sobrancelhas, sem entender.

— Tá tudo bem? — perguntou a Junmyeon.

Não houve resposta, só continuaram avançando pelo corredor.

— Como você tá? Não tive muitas notícias suas enquanto tava longe.

Ainda não respondeu. Sehun notou, de longe, a cicatriz que ia do seu queixo até a bochecha. Seu braço estava engessado e tinham coisas escritas no gesso, mensagens que provavelmente eram de seus amigos e parentes que o visitaram. Ele parecia tenso. Sehun desviou o olhar para frente.

— Você é Oh Sehun, não é?

Parou de empurrar as rodas e ergueu a cabeça, encontrando os orbes escuros e cheios de medo. Ele estava com medo... de Sehun? As sobrancelhas de Sehun mudaram sua expressão calma para preocupada e encarou o rosto do namorado com certa aflição. 

Os olhos de Junmyeon vacilavam. Lutava para não direcionar sua atenção à ausência do membro inferior direito do homem à sua frente.

— Sim, eu sou...

Então Junmyeon deu um passo maior que a perna e olhou por cima dos ombros, notando que Sehun parecia surpreso por sua atitude.

— Não se aproxime de mim nunca mais, Oh Sehun.

— O quê? — riu de nervoso. — Tá brincando comigo?

Tentou segurar a mão de Junmyeon, mas ele se desvencilhou em um movimento brusco, olhando para Sehun com certa repulsa.

— Não toque em mim!

Caminhou rapidamente até o quarto e foi recebido pela enfermeira, enquanto Sehun continuava perplexo no meio do corredor. Não segurou a lágrima solitária que se atreveu a descer. Ficou parado ali, esperando que alguém o socorresse do seu choque repentino.

Dormiu chorando no corredor, pois ninguém foi ajudá-lo naqueles dez minutos que passou sozinho.

EsmaecidosOnde histórias criam vida. Descubra agora