Blaze | Monty Green

☆ 01 | Sangue e encrencas

Arca - Setor 15

Ano de 2148

Ao ouvir o disparo de uma arma, Blaze Dawson Sinclair deveria ter corrido para bem longe dali.

Só que não foi isso que ela fez.

Não costumava ser um imã para encrencas, muito pelo contrário, na verdade. Apesar de quebrar regras com uma certa frequência - e ser muito boa na atividade -, a garota Sinclair sabia como fugir de qualquer enrascada, tinha truques na manga suficientes para isso. Aquela manhã de quarta feira, no entanto, mostrou que a sorte nem sempre estaria ao seu favor.

Blaze nunca havia ouvido um tiro, mas o som ensurdecedor que ecoara pelo corredor de metal não lhe deixou dúvidas. Alguém pressionara um gatilho. Sua primeira reação foi permanecer estatelada no meio do corredor deserto do setor 15 e por alguns segundos, ela mal conseguiu respirar, tampouco comandar suas pernas a bater em retirada. Blaze podia ter corrido na direção oposta ao som do tiro, ela tinha tempo para fugir. Mas a curiosidade falou muito mais alto do que a voz em sua consciência e quando conseguiu se mover, as pernas magricelas a guiaram para frente, no rumo de sua futura encrenca.

A garota estava quase contornando o corredor quando, de repente, uma figura surgiu logo a sua frente, obrigando-o a parar mais uma vez. Blaze não precisou de tempo para reconhecer o rapaz com quem quase colidira.

Bellamy Blake. O jovem zelador da Factory Station - ex membro da Guarda, irmão da garota que viveu ilegalmente por 16 anos sob o assoalho - guardava uma expressão tão aterrorizada e impressionada quanto a de Blaze. A pele morena do rapaz pareceu ter empalidecido alguns tons, tornando as infinitas sardas de seu rosto bem mais evidentes. Blaze também não precisou de mais de dois segundos para conectar o garoto Blake ao tiro que acabara de ouvir. Ela o escaneou, de forma meticulosa, dos pés a cabeça e seus olhos congelaram no quadril do rapaz, onde um revólver havia sido displicentemente guardado no coldre.

O estômago da garota se revirou. Ela ergueu os olhos para fuzilar Bellamy, precisando inclinar levemente o queixo no processo, já que o rapaz era vários centímetros mais alto. Os dois sustentaram o olhar do outro por alguns instantes, ambos sobressaltados com o encontro repentino, ambos sem saber o que dizer ou que fazer a seguir. O coração de Blaze rufava dentro do peito, as batidas sendo tão intensas quanto os ruídos constantes das máquinas ao redor. Ela achou ter voltado ao estado estático, porque as vozes de sua mente diziam que deveria gritar, correr ou até mesmo dar um soco no nariz de Bellamy, mas a única coisa que conseguiu fazer foi continuar a encará-lo.

Pela segunda vez, os olhos grandes e espantados de Blaze escorregaram para a arma no coldre do Blake. A descarga de medo havia assumido sua mente e seu corpo, e ela só conseguiu pensar na proximidade que estava daquele instrumento mortal, na possibilidade de estar morta nos próximos minutos. Sim, Blaze já ficara lado a lado de guardas armados antes, mas nunca cogitara o fato da arma ser utilizada, muito menos contra ela.

Quando os olhares dos dois encontraram-se novamente, Blaze teve certeza que Bellamy havia adivinhado seus pensamentos. Ela o assistiu unir os lábios em uma linha fina e tensa, ao mesmo tempo que seus olhos fecharam-se demoradamente, numa expressão de dor evidente. Seja lá o que garoto havia feito, ele tinha sim, um traço de remorso. A hesitação de ambos os jovens não demorou mais que alguns segundos, mas Blaze sabia que naquela pequena fração de tempo, um filme intenso se passava na cabeça de Bellamy Blake. Era nítido que o rapaz vivia um impasse entre tirar ou não vida de Blaze Sinclair Dawson, a única testemunha - pelo menos assim ela pensava - de um possível crime que acabara de ser cometido. Só que Bellamy tinha uma dívida com a garota, uma dívida que não era esquecida ou quitada facilmente. E talvez por isso ele resolverá poupar sua vida, passando por ela a passos largos, evitando seu olhar acusatório. Blaze só voltou a respirar quando viu, por cima dos ombros, as costas largas do rapaz virarem o corredor.