☆ 02 | Dia da União

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Arca – Mecha Station

Ano de 2147 (11 meses e vinte um dias antes de Telonious Jaha ser baleado)


Blaze jogou as folhas de hortelã dentro da chaleira elétrica, sentindo-se grata pelo pai tê-las achado na Farm Station após duas temporadas de colheitas ruins. Quando se vive em uma estação espacial, tudo pode ser difícil de crescer, até mesmo aquelas míseras folhinhas de hortelã.

Ela ligou a chaleira no mesmo instante em que seu pai saiu do banheiro. Imediatamente, um cheiro forte de gel de cabelo e loção de colônia invadiu a atmosfera do apartamento, apenas comprovando que aquele era, de fato, o Dia da União.

O feriado marcava o histórico dia em que dozes nações se juntaram no espaço, decidindo viver em harmonia enquanto preservavam o que havia sobrado da raça humana. Também era um dos únicos dias do ano em que Jacopo Sinclair, pai de Blaze, resolvia se arrumar melhor. Afinal, como porta bandeira oficial da Mecha Station, ele devia estar, no mínimo, "agradável aos olhos", como costumava dizer. Desde que se entendia por gente, Blaze lembrava-se do pai representar a Mecha Station no desfile do Dia da União. A garota não entendia como após tantos anos, ele ainda se animava tanto com o fato de ter de atravessar o Pátio da Árvore balançando uma bandeira. Ok, a pequena Blaze realmente achava divertido carregar a bandeira do Brasil ou da Austrália em meio a tanta gente, também adorava recitar a história do Dia da União em voz alta, mas respectivos anos, desfilar já havia perdido a graça. Mas Blaze não parara de apreciar o feriado, na verdade, achava divertido – e fofo – ver o pai desfilando de maneira orgulhosa e pomposa em meio aos cidadãos da Arca.

— Sinto cheiro de chá — ele comentou e sentou-se na poltrona estofada da sala para amarrar os sapatos.

Apoiada na bancada da micro cozinha, Blaze virou-se para o pai e abriu um sorriso divertido.

— Sinto cheiro de gel de cabelo e perfume — respondeu ela — Eu e o resto da Arca, na verdade. Quem não sabia que era Dia da União, agora já sabe.

O pai rolou os olhos para o teto e soltou um riso nasal, acostumado com as brincadeiras da filha naquela época do ano.

— Isso é um bom sinal, garotinha — ele se levantou e ajeitou a roupa, maneando a cabeça na direção de Blaze logo em seguida. — E cadê o seu vestido do Dia da União?

— Você diz aquele que eu uso desde o primeiríssimo Dia da União? — quis saber ela, destacando de forma exagerada a palavra primeiríssimo.

— Você fala como se fosse uma coisa ruim — disse e andou até a cozinha, apanhando uma xícara na estante de metal e estendendo para Blaze. — Já virou uma tradição.

Blaze fechou a cara e encheu a xícara com o líquido fumegante.

— Pai, ele está andando sozinho — explicou Blaze e Sinclair balançou a cabeça em reprovação, achando graça do exagero da filha. Ela completou. — Estava surrado demais. O zíper quebrado e a barra rasgada.

Ele não pareceu se compadecer pela situação, mantendo um sorriso ladino nos lábios enquanto bebericava o chá.

— Esse, então, é o seu novo estilo para o desfile? — perguntou, apontando para as roupas de Blaze.

Blaze rolou os olhos, mas falhou miseravelmente em esconder o sorriso. Ela estava vestindo pijamas e é claro que o pai sabia disso.

— Infelizmente não — respondeu, desejando intensamente que pijamas pudessem se tornar um traje obrigatório no Dia da União. — Estou esperando Skandar salvar minha vida.

Blaze | Monty GreenOnde histórias criam vida. Descubra agora