"Coloque-se no seu lugar.", dissera ele, a frase que terminara qualquer diálogo que poderiam ter.
Ama visualizara o potro branco, mas não questionara e ele não mostrara os chifres, relevara as Esperanczas no chão quando já tinha o ouro necessário, não voltara a proferir discursos sobre a magia e como isto provara o senso. Ela deixara de falar quando não achava que ele ouvia bem. O silêncio era aterrador. Ela não aceitara mais que ele fizesse um curativo em seu braço, a ela era mais uma trivialidade desnecessária e, quando Ama levantara a mão contra o peito dele, fora clara: "Não gosto de estranhos tocando-me."
Ela subira para sua cama para fazer o curativo, seu espaço mais pessoal.
Havia uma pequena janela para o exterior usada para encarar a estrada para a Pólis e ver as mudanças dos céus enquanto protegida, enfaixara o braço com as roupas levemente descidas e usara uma papinha do caule de Esperancza para que o corte, deveras superficial, curasse rapidamente. Atrás de si também havia uma janela dada para a floresta, a distância entre o casebre e uma das árvores retorcidas iniciais era pouca, ela mesma a usava para chegar à cama com rapidez quando criança. Termina em silêncio pleno e se joga na cama de tecidos para buscar um objeto ao seu lado, cada movimento habitual e desinteressado.
Toma outro pequenino objeto e posiciona no primeiro, escondido dentre sua saia. Virando-se com naturalidade para a janela da árvore, aponta seu estilingue para as folhas, atirando e falando:
― Isso é inapropriado! Vocês são um produto repetitivo do imaginário comum e não conseguem fazer melhor que isso. ― a irritação de Ama voltava a aflorar.
Khlaos desce da árvore após ser atingido por um cascalho de pedra, retirado de sua observância curiosa que havia sido tratada como pervertida. Havia sido proibido de entrar, então subira e passara a observar com dedicação o silêncio, mas silêncio provido de imagens.
― Venha aqui e me encare logo. Vamos acabar com isso, amanhã não posso continuar com essa brincadeira. ― Ama fala alto para que ele escute do lado de fora.
Ele não precisa abrir a porta, ela já havia aberto para ele. Khlaos reconhecia que suas ações não adequadas, contudo o hábito havia o feito daquela forma. Não a perseguia e desrespeitava a toda a sua privacidade, contudo já muito havia estado à espreita no passado de outros para não se sentir só.
― Tu, mercenário. ― Ama abre espaço para ele, mas não perde tempo ― Eras tu. Tu tens rondado esse lugar há muito tempo, confirmara a mim, mas tuas ações não possuem sentido. Amanhã eu irei embora.
― E a tua lavoura? ― ele pergunta desentendido.
― No momento em que ela ficar só, irá morrer, toda a plantação que não a da floresta. Não importa mais.
― Mas é a tua lavoura, para onde tu poderás retornar?
― O Equinócio está aqui, vale o sacrifício. A parte mais valiosa da plantação irá viver, virão um grupo de pessoas para fazer a colheita para, adivinhe, o Florilégio. Quando esse grupo de servos contratados vierem, eles deixarão o solo infértil, a magia não mais aceitará Esperancza quando o solo de uma geração for pisoteado sem dó. Acabou, ficando ou indo até lá, acabou. E toda Esperancza que for colhida como objeto de massa que não respeita a ela, não fará deles mais fortes ou significará alguma coisa. Acabou, nem que eu quisesse ficar. Acabou. O que eu não entendo é o teu interesse em mim. ― Ama estava impaciente.
― Mas e a tua casa?
― No momento em que eles invadirem esse território para a colheita massificada e refinamento, acabou. Tu precisas que eu fale de maneira mais simples? Eu não posso mais ficar aqui e não é aqui que eu devo ficar.
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EsperanczA
FantasiEm uma nação desprovida de magia chamada Ágorantuon - uma manipulação do dizer "Agora ou nunca, Tudo ou Nada" -, a jovem lavradora Ama Krishnaraj cultiva não só o grão-fruto de Esperancza, aquele que alimentara a humanidade em tempos de escassez, co...