I

90 12 62
                                    

Abstraio-me da fascinante cacofonia de sons e corpos que me cerca e concentro a minha atenção na fila à minha frente. Pelas minhas contas, não deverá levar mais de 5 minutos até chegar a minha vez.

— Tens tudo o que precisas? — pergunta uma voz feminina de repente.

Olho para a minha direta, para conseguir encarar a mulher mais velha que me faz companhia no aeroporto.

— Tenho.

— De certeza? — O seu cenho franze na direção da minha diminuta mala de viagem. — Faz muito frio lá em cima nesta época do ano. Não quero que fiques doente.

Tento conter uma gargalhada, mas é em vão.

— Tenho tudo, não te preocupes. — Dou dois passos em frente quando a fila anda, sendo acompanhada de perto pela Claire. — Pareces a minha mãe!

A sua postura, antes um pouco tensa, relaxa com o meu comentário.

— Porque é que será? — pergunta, rindo.

Empurro o saco que tenho no chão aos meus pés, avançando mais um pouco. A mulher de cabelos negros a meu lado aproxima-se mais de mim, com um sorriso meigo estampado no rosto.

— Vou pedir para que os bons ventos te acompanhem, querida — diz, colocando as suas mãos sobres as minhas bochechas. — Boa sorte, Hannah.

Ela coloca-se em bicos dos pés e eu, percebendo a sua intensão, baixo ligeiramente a cabeça. No instante seguinte, os seus lábios encostam na minha testa, depositando na minha pele clara um beijo recheado de amor e saudade.

— Obrigada por tudo, tia — digo quando nos afastamos.

Com a cabeça, a tia Claire sinaliza o balcão à minha frente e eu digo-lhe um último adeus antes de ficar frente a frente com a empregada do aeroporto.

Em poucos minutos, a minha mala é despachada para o porão e eu sou encaminhada para o controlo de segurança. Uma vez em espaço internacional, caminho calmamente até à minha porta de embarque, parando no Duty free para comprar uns snacks para a viagem.

Na zona de espera em frente à porta de embarque, olho pelas grandes janelas ao meu lado, admirando as aeronaves que circulam na pista.

"Esta viagem está recheada de primeiras vezes", penso, colocando os fones nos ouvidos.

O som de blues preenche-me os ouvidos, sobrepondo-se às enjoativas músicas natalícias que escapam de diversas colunas espalhadas pelo espaço do aeroporto. Algumas músicas depois, os altifalantes da zona de espera ganham vida.

— Atenção a todos os passageiros. Informamos que o portão de embarque do voo 7001 com destino à Noruega se encontra agora aberto. Desejamos a todos uma boa viagem, umas festas felizes e um próspero ano novo.

Deixo que os outros passageiros entrem à minha frente e, mal a área de espera fica vazia, levanto-me.

— Aqui vou eu.

━━━━━━━━☽⬤☾━━━━━━━━

Aperto o casaco e coloco a gola de lã no pescoço, sentido parte do frio norueguês a desaparecer. Da minha mala de viagem retiro um caderno gasto, abrindo as suas páginas amareladas até encontrar a folha com os detalhes da viagem, escritos numa esguia letra cursiva.

O meu destino fica a vários quilómetros de distância, mas eu já tenho o bilhete de comboio comprado. Só preciso que alguém me leve à estação.

— Táxi! — exclamo, estendendo o braço para que o condutor do veículo me veja.  — Para a estação de comboios — peço mal me sento no banco de trás.

O condutor assente e acelera, deixando o aeroporto para trás.

━━━━━━━━☽⬤☾━━━━━━━━

Depois de uma confortável viagem de comboio através de paisagens geladas, sou forçada a apanhar outro táxi. Felizmente, o percurso que não é muito longo e assim que o condutor para na morada que lhe indiquei, pago o que lhe devo e saio do carro agarrada ao meu diminuto saco, puxando o capuz do blusão sobre a cabeça para me proteger da chuva miudinha.

O bairro de vivendas claras está coberto por um manto de neve, oferecendo-lhe um ar pacato e calmo. Olho a fotografia do caderno no telemóvel uma última vez antes de iniciar a busca pela casa certa. Algumas portas abaixo, encontro o número de polícia que quero numa casa acinzentada. Subo os degraus para o pequeno alpendre e respiro fundo antes de tocar à campainha.

Durante os instantes de espera, retiro o capuz, sacudo a água da roupa e ajeito o gorro para proteger as orelhas da brisa fria de Inverno.

— Sim?

Deixo de olhar a vizinhança para encarar o homem à minha frente. Está na casa dos 40, talvez até 50, mas só tem a idade denunciada pelas rugas sob os olhos. A sua barba rala e o seu cabelo castanho claro estão bem cuidados, trazendo harmonia ao seu semblante traços firmes. Contudo, o que o torna verdadeiramente belo são os seus olhos azuis, tão claros e vivos que se assemelham a água cristalina.

Um pequeno sorriso cresce nos meus lábios sem que ele diga uma palavra sequer. Eu sei, sem qualquer sombra de dúvida, de que estou no lugar certo.

Encontrei-o.

830 palavras

O desejo de uma Bruxa ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora