IV

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— Tens poderes? Podemos ver? —  gritam as duas meninas do meio, entre pulos e guinchos histéricos. Aud mantém Ida no colo a certa distância, mas os olhos brilham de curiosidade e excitação.

— Meninas —  repreende Astrid, levantando-se para ir pegar na bebé de colo.

O Erik pega na pequena Kirsten para a sentar no seu joelho e puxa a outra filha para perto de si.

— A nossa magia é algo pessoal e íntimo. Não a mostramos assim a estranhos...

As crianças ficam cabisbaixas. Eu olho para os pais delas. Não é preciso ler mentes para saber o que estão a pensar. Mesmo que muitos detalhes batam certo, a incredulidade vinca os seus rostos.

— Mas posso abrir uma exceção —  digo com um sorriso, gerando cópias nos rostos das minhas meias-irmãs. —  Não podem acreditar em mim se não vos der provas.

Levanto-me do sofá e dirijo-me à área mais ampla da sala. Uma vez ali, fito a Astrid.

—  Só vos peço que me deixem mostrar-vos isto. Se no final não ficarem convencidos, eu vou-me embora e nunca mais regresso à Noruega. —  O casal fica mudo. —  Por favor.

A matriarca cede a contragosto e afasta-se. 

Eu fecho os olhos, concentrando-me. Qual gueixa prestes a iniciar a cerimónia que antecede o servir do chá, puxo as mangas da camisola para trás com delicadeza e elegância, num gesto treinado. Assim que o tecido me chega aos cotovelos, ato as fitas que percorrem as mangas, deixando os antebraços livres para que nada me atrapalhe.

Olho em volta por uns segundos, escolhendo um alvo antes de ativar o meu sangue ancestral.

Eladna. Wel.

As runas dos meus braços, antes invisíveis, brilham num cintilante azul ciano, deixando a magia ao meu dispor. Ao concentrar o meu poder, as runas embutidas em volta dos meus pulsos destacam-se da minha pele, formando uma pulseira giratória de luz que paira a poucos milímetros do meu corpo. A intensidade da rotação aumenta até que liberto a magia contra o meu alvo.

—  Finnis.

Com esta palavra, acaba tudo.

Desvio o olhar da boneca de plástico caída do chão, decapitada até há uns instantes, para fixar a família atrás de mim. Todos, sem exceção, estão boquiabertos.

— A tua mãe tinha umas tatuagens assim no peito... — murmura Erik ao colocar a mão sobre o seu coração. Era aí que a minha mãe tinha as runas dela.

Antes que mais alguém possa dizer alguma coisa, um clarão ilumina a manhã cinzenta e chuvosa que domina a paisagem para lá das paredes da casa. Quase imediatamente, um trovão ribomba pelos céus, provocando um grito de horror na segunda filha mais velha do casal.

— Tamina! —  grita Erik, ao sentir o corpo da filha escapar por entre os dedos.

A criança, num pânico total, corre para outra divisão da casa, aos berros e com as mãos a cobrir os ouvidos.

— Merda! — exclama a Astrid. — A meteorologia não disse que ia trovejar. Aud, fica com a Ida!

A mais velha recebe a irmã  no colo enquanto a mãe sai disparada da divisão em busca da filha perturbada.

— O que é que se passa? —  pergunto, algo confusa.

— A Tamina tem astrapofobia. Por outra palavras, um medo profundo de trovoada. Temos tentado ajudá-la a ultrapassar este medo desde que foi diagnosticada, mas não temos tido grande resultado — admite o meu pai. — Para ser sincero, os ataques têm vindo a piorar.

Do fundo da casa chegam-nos os berros de pânico e o choro compulsivo da Tamina, obrigando a Aud a cantar uma canção afim de evitar que as irmãs mais novas chorem também.

— Deixem-me ajudar —  peço.

Erik, que estava prestes a sair da sala para ir ver se a mulher precisava de ajuda, para de repente e olha para mim com renovado interesse.

—  A minha especialidade é a cura. —  Estico o braço na direção da boneca da Kirsten, agora nos seus braços infantis. — As minhas runas saram qualquer coisa, incluindo bens materiais inanimados.

Erik arregala os olhos à medida que entende o meu pedido.

— Achas que consegues? —  pergunta, receoso. 

Assinto, apesar da minha insegurança interior. Nunca fiz isto antes.

— E há... efeitos secundários?

— Não. Na pior das hipóteses, será como se nada tivesse acontecido.

Erik olha para a boneca restaura, pensativo. Consigo ver a insegurança nos seus olhos claros. Mas mesmo assim, ele autoriza.

— Certo. — Volto-me para a zona dos sofás, onde as minhas meias irmãs esperam, confusas. — Kirsten, vou precisar dessas bolachas. Preciso de repor energias para isto funcionar!

770 palavras

O desejo de uma Bruxa ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora