— Bom dia — cumprimento, fazendo uso da minha relativa fluência em norueguês, conseguida a custo. — Erik Blom?
Os seus olhos azuis estudam-me com atenção.
— Sim, sou eu — responde, também em norueguês. — Em que é que posso ajudar?
— O meu nome é Hannah Armour. É um prazer conhecê-lo.
— Prazer... — murmura, absorto. — A tua cara não me é estranha. Conhecemo-nos de algum lado?
Aperto a alça da mala de viagem e retiro o telemóvel do bolso, sentindo o coração a acelerar.
— Não, infelizmente. Mas o senhor conheceu a minha mãe, Blair Armour — respondo, estendendo o meu telemóvel na sua direção.
— Posso? — pergunta, de mão estendida e olhos semicerrados. — Não trouxe os óculos.
Entrego-lhe o aparelho, esperando a sua reação.
— Essa foto é recente... Se passar com o dedo para a esquerda tem uma mais antiga.
Ele resume-se ao silêncio enquanto estreita os olhos em busca do melhor ângulo para a analisar a fotografia.
— Ah, sim! — exclama de repente. — Lembro-me perfeitamente da Blair!
O meu interior aquece com uma centelha de esperança. O Erik estende-me o telemóvel e olha para a rua atrás de mim. Tinha começado a chover com mais força entretanto, havendo agora grandes poças de água nos acessos às vivendas vizinhas.
— Entra, por favor! Está demasiado frio aqui fora.
Agradeço com um sorriso e adentro na sua habitação. No hall deixo a mala e o excesso de roupa e troco os sapatos molhados por umas pantufas destinadas às visitas. Sentido o calor convidativo da casa, sigo o meu anfitrião até à sala de estar.
A divisão clara, aquecida pela lareira acesa, é bastante espaçosa. Tem três grandes sofás, uma mesa de refeições, um plasma na parede por cima da lareira, uma grande janela com vista para a paisagem gelada e uma árvore de natal a um canto, tão grande e brilhante que parece reclamar para si toda a atenção do observador.
— Queres que te traga alguma coisa? — pergunta, indicando-me o sofá onde me devo sentar.
— Não, obrigada.
— A última vez que vi a tua mãe foi na faculdade. — Erik senta-se no sofá à minha frente. — Ela desapareceu um dia sem dizer adeus e nunca mais voltou. Que é feito dela?
— Ela... faleceu.
— Oh. — O seu semblante deixa transparecer o choque. — Sinto muito.
— Não tem problema. — Esboço um pequeno sorriso na tentativa de o tranquilizar. — Já estávamos à espera quando aconteceu.
Para tentar cortar o clima pesado, Erik retoma a conversa.
— Estava nos jardins da Universidade de Aberdeen quando vi a tua mãe pela primeira vez. Ela pareceu-me um pouco perdida na altura, então decidi apresentar-me e oferecer-me para a ajudar. Acabei por descobrir mais tarde que ela tinha sempre um ar perdido quando estava próxima da Natureza.
— Era uma das suas grandes paixões — comento, sentindo uma certa nostalgia por algo que não vivi através daquele relato.
— Sim. — Erik recosta-se no sofá. — Fomos grandes amigos durante dois ou três anos. Mas depois, uma noite, depois de uma festa... Acho que meti a pata na poça. Ela deve ter ficado chateada comigo porque não a consegui encontrar na manhã seguinte. Nunca mais a vi.
Erik suspira e olha para mim de forma séria.
— Tens os mesmos olhos que a Blair...
Do fundo da casa, o som de passos e de gargalhadas infantis chega-nos aos ouvidos, levando a que eu e Erik olhemos para o corredor.
— Querido, o...
A mulher que acaba de entrar com uma criança no colo e mais duas atrás de si para o discurso de repente. O seu olhar analisa-me com estranheza, como se me estivesse a reconhecer de algum lado.
— Quem é, papá? — pergunta a mais alta da crianças.
— É a filha de uma amiga do pai, Aud — responde Erik. — Chama-se Hannah. Hannah, estas são a minha mulher, Astrid, e três das minhas 4 filhas: Aud, Kirsten e Ida — apresenta, apontando da mais velha para a mais nova.
As crianças cumprimentam-me e eu cumprimento de volta, sempre em norueguês.
— Querida, podes ir com as tuas irmãs à cozinha buscar bolachas para a nossa convidada? — Astrid entrega a pequena Ida à mais velha das irmãs presentes.
A criança assente e afasta-se com as mais pequenas.
— Peço imensa desculpa aparecer na véspera de Natal assim, sem avisar. — Astrid contorna o sofá onde me encontro e coloca-se em pé atrás do do marido. — Mas eu...
— Quem és tu? — corta, algo ríspida, com a mão sobre o ombro do marido de forma protetora.
O Erik repreende a mulher, espantado.
— Não tem problema — asseguro, exibindo um sorriso culpado. Respiro fundo e levanto-me, sentindo o peso dos seus olhares sobre mim. — O meu nome é Hannah Armour. A minha mãe, Blair Armour, faleceu o outono passado e, nos seus últimos momentos de vida, pediu-me que o procurasse.
— Porquê? — inquiriu Erik, curioso.
Suspiro, mas não tenho tempo de responder.
— Porque ela é tua filha — sentencia Astrid, roubando a calma àquela pacata manhã de inverno.
870 palavras
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O desejo de uma Bruxa ✔
Short StoryHannah, com 19 anos, vai passar o seu primeiro Natal longe de casa e da família. Ela já tem a mala feita, o bilhete de avião comprado e o itinerário traçado. Tudo foi delineado até ao mais ínfimo pormenor, para que ela possa cumprir a sua missão: re...