O quarto dos brinquedos está escuro. Os pesados cortinados estão corridos e as luzes estão apagadas, fazendo com que a divisão seja iluminada apenas pela luz de presença na parede e pela claridade que entra pela porta.
— Tamina?
Pé ante pé, aproximo-me do canto onde a criança de sete anos se encontra encolhida. A sua mãe saiu do divisão minutos antes para ir partilhar das preocupações do marido no corredor. Sinto os olhos de ambos nos meus ombros à medida que me aproximo da minha irmãzinha.
Agacho-me ao lado dela. Apesar de estar agarrada aos joelhos e com a cabeça escondida nos braços, o seu pequeno corpo treme. Mesmo com a pouca luz no quarto, consigo ver o suor que lhe escorre pela testa e o forte latejar das veias no seu pescoço, que acompanha o ritmo descompassado da sua respiração.
— Não me cheguei a apresentar. O meu nome é Hannah. E sou tua irmã mais velha.
Por uma fração de segundo, ela olha-me de relance.
— É verdade. Tens uma irmã bruxa. Lembraste do que fiz com a boneca na sala? — A Tamina não me responde. — Podes dar-me as tuas mãos para eu poder ajudar-te, como fiz com ela?
— Eu não consigo respirar se me mexer. Fico tonta — responde, num norueguês abafado que tenho dificuldade em compreender.
— Não precisas de te mexer. Só preciso que me dês as tuas mãos. Consegues fazer isso?
— Não! — responde, algo aflita. — Não quero!
O rugido de um trovão estremece as paredes, de tão próxima que está a tempestade.
— Ah! Não! FAZ COM QUE PARE! FAZ COM QUE PARE!— berra, encolhendo-se mais.
Olho sobre o ombro. A Astrid está com vontade de me saltar em cima para abraçar a filha.
Eu consigo fazer isto sem as tuas mãos. Acho eu.
Mexendo-me devagar para não a assustar mais, coloco uma das minhas mãos sobre a sua cabeça e a outra nas costas da mão visível. Através do toque, sou capaz de sentir a pulsação acelerada e os suores frios que recobrem o seu pequeno corpo.
Respirando fundo, ativo o meu sangue ancestral.
— Eladna. Wel.
O estrondo de outro trovão preenche o ar, levando a Tamina a saltar como se tivesse sido atingida. Eu fecho os olhos e tranco a maxila, evocando o poder que me corre nas veias.
Ao contrário do que fiz com a boneca, não solto a magia das runas de uma só vez. Em vez disso, deixo que esta flua com suavidade, espalhando-se lentamente à nossa volta como uma onda de calor, penetrando no corpo da minha irmã até atingir a ferida na sua alma. Libertar a magia com tanto controlo é algo que nunca fiz antes e, por isso, sinto dores nos antebraços e na cabeça. Contudo, mantenho o ritmo o mais calmo possível, tanto para não assustar a Tamina como para não a magoar.
Para ter a certeza que a curo, uso toda a magia que tenho, sem reservas. Quando o meu poder acaba e estou a ponto de desmaiar, afasto-me da Tamina, ofegante.
— Mina! — A Astrid e o Erik correm para abraçar a filha e eu arrasto-me para o lado, em busca de ar.
Sinto a cabeça pesada e o mundo a andar à roda, mas sou capaz de espreitar a pequena quando a trovoada, cada vez mais distante, impõe de novo sua presença. Para espanto de todos, a pequena ri-se e olha para mim com um sorriso radiante.
— Tens luzes tão bonitas! — exclama a Kristen de 4 anos, na porta ao lado das irmãs. — Pareces a estrela de Natal!
E todos nos desmanchamos à gargalhada.
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— Toma.
Endireito-me no sofá e aceito a caneca de café que o Erik me estende.
— A Tamina está melhor? — pergunto, tomando um gole da bebida.
O meu pai senta-se ao meu lado no sofá.
— Completamente curada. Parece outra. — Os seus olhos azuis fitam os meus. — Obrigada.
— Ainda bem.
Bebo mais um gole da bebida, sentindo parte da dor de cabeça a ir embora. Vai demorar algum tempo até conseguir conjurar de novo o meu sangue ancestral.
— Hannah? —Deixo de olhar a caneca nas minhas mãos ao ouvir a sua voz grave. — A Astrid está a preparar as meninas para irmos jantar a casa dos meus pais. Eu estava a pensar... se não querias vir connosco?
Arregalo os olhos de espanto.
— Bruxa ou não, não há dúvidas de que és minha filha. — Ele coça a nuca, envergonhado. — És definitivamente filha da Blair, mas também és minha filha. E eu sei que já és uma mulher agora, mas... eu gostaria de fazer parte da tua vida. Se me aceitares.
Estico-me para colocar a caneca sobre a mesa do café, para não entornar nada com a emoção.
— Eu gostaria muito, pai — digo, com um sorriso.
Estendo os braços na sua direção, pedindo um abraço desajeitado. Timidamente, ele aceita o meu pedido, e os seus braços fortes envolvem o meu tronco, trazendo-me conforto.
Subitamente, uma luz brilha entre nós. Espantados, afastamo-nos para encontrar a pedra do colar que tenho ao pescoço a cintilar intensamente antes de expelir um clarão. Este para a alguns centímetros do sofá, adquirindo a pouco e pouco uma forma que me é muito familiar.
— Haira... — sussurra o espetro.
— Mãe!
Eu levo as mãos à boca para conter um grito e deixo que as lágrimas me lavem o rosto cansado. Nunca pensei que voltaria a ouvir o meu verdadeiro nome, o nome de Dama Branca, a sair dos seus lábios.
— Blair!
Os meus pais encaram-se e Erik começa um pranto silencioso, que faz coro com o meu.
— Erik, desculpa por não ta ter apresentado antes. Mas não podia — diz a minha mãe, com um sorriso apologético. — Espero que me perdoes.
O meu pai assente, incapaz de verbalizar o seu perdão.
— Espero que tu e a tua família possam guardar o segredo da nossa filha. As runas que ela carrega trazem grande responsabilidade e o mundo não deve saber disso. — A minha mãe aproxima-se e coloca a sua mão etérea no meu rosto. — Espero que consigas encontrar a felicidade ao lado do teu pai e das tuas irmãs, Haira. Nunca te esqueças de quem és nem das tuas raízes, e as tuas antepassadas sorrir-te-ão sempre. Ficarei à tua espera no Salão das Mulheres. Vive muitas aventuras. Depois quero saber tudo.
Tento agarrar a sua mão, mas é em vão.
— Sim, mãe!
Ela afasta-se com um brilho semelhante a lágrimas nos seus olhos verdes.
— O meu último desejo está realizado; as dívidas estão perdoadas e pai e filha estão enfim reunidos. Posso partir em paz. — Lentamente, a sombra da minha mãe desfez-se no ar, como um sonho. Contudo, antes do seu corpo desaparecer completamente, somos capaz de ouvir: — E tenham um feliz natal.
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O desejo de uma Bruxa ✔
Short StoryHannah, com 19 anos, vai passar o seu primeiro Natal longe de casa e da família. Ela já tem a mala feita, o bilhete de avião comprado e o itinerário traçado. Tudo foi delineado até ao mais ínfimo pormenor, para que ela possa cumprir a sua missão: re...