Lívia

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Ao final das aulas, acelerei os meus passos para alcançar o João V. e o Matheus antes que eles fossem embora e, junto com eles, meu convite tão sonhado para ir à festa com o cara dos meus sonhos.

Abro a boca para chamar o João V., mas a voz que escuto não é a minha, e sim a de Maya.

- Matheus, espera! – ela grita com a respiração ofegante depois de correr por todo o corredor. Matheus a ignora e puxa João V. pelo casaco quando este ameaça parar para esperar por minha irmã. – Você não vai fugir tão fácil assim de mim. – Maya corre mais rápido até alcançá-los e dá um puxão no braço de Matheus para que ele permanecesse onde estava.

- O que você quer? – suas palavras estão carregadas de raiva.

- Conversar com você de um modo mais civilizado.

- Não tenho nada para conversar contigo. Tenho uma festa amanhã e pretendo ainda estar solteiro até lá para curti-la ao máximo, se é que me entende. – ele lança uma piscadinha para Maya. Ela suspira com um semblante desgostoso.

- Liv, você e o João V. podem dar um tempinho a sós para nós? – Maya praticamente me força a tirar vantagem da situação. Matheus parece incomodado, mas nada fala. – Manda uma mensagem quando o papai chegar.

Concordo e saio com João V. logo atrás de mim. Em silêncio, nos encostamos à grade que cerca as quadras de basquete perto ao estacionamento dos fundos. As palavras que havia pensado em dizer ao garoto ao meu lado estavam presas na minha garganta, emaranhadas umas às outras. Era quase como se o universo estivesse conspirando contra mim.

- Tirou o batom? – João V. pergunta bem baixinho.

- Tirei. – tento conter a raiva que sentia por ter dado ouvidos ao Matheus. Assim que ele falou que estava parecendo uma palhaça, corri até o banheiro, lavei o rosto, soltei a trança e prendi meu cabelo comprido em um coque bagunçado. E não um bagunçado bonito como os dos filmes. Bagunçado do tipo Lívia, por que você está com um porco espinho na cabeça?

- Por quê? Estava bonita com ele.

Encarei-o, segurando meu queixo para que não caísse. Era o primeiro elogio que recebia dele.

- Obrigada. – agradeci timidamente.

- Não que eu não ache você bonita. – ele parecia nervoso e ligeiramente confuso. – Você é linda! Apenas conseguiu ficar ainda mais com o batom. Era rosa claro, né? Eu lembro porque estava olhando para sua boca quando... – corou e levou as mãos ao rosto sem completar a frase. – Desculpe.

- Está tudo bem. – minha voz transborda alegria. Se ele estava olhando para minha boca, significava que ele queria me beijar? Eu deveria tentar beijá-lo agora que sei que ele, provavelmente, queria me beijar? Ou isso tudo era uma paranóia muito louca da minha mente apaixonada? Teria que falar com Maya. Era ela a especialista em homens.

Não que eu nunca tivesse namorado antes, mas existem certas coisas que é melhor não lembrar. Certas coisas que devemos guardar para nós mesmos se quisermos que as pessoas continuem nos enxergando do mesmo jeito.

Depois da breve conversa que mudou meu modo de encarar minhas chances com o João V., o silêncio prevaleceu. Mordia a parte interna de minha bochecha ao mesmo tempo em que procurava um assunto qualquer que trouxesse à tona a festa ou até mesmo o tema beijo. Nada veio a minha mente.

Meu pai chegou, mandei a mensagem chamando Maya e esperei que ela e Matheus chegassem ainda encostada na grade, ao lado de João V., que ficava a mais ou menos uns dez metros de onde o carro estava parado. Eles passam direto por nós como se não existíssemos. Antes de entrar no carro, Maya agarra Matheus pelo pescoço e os dois dão um beijo longo e demorado, o que me faz chegar à terrível conclusão de que voltaram com seja lá como chamam a relação deles. Posso ver de longe a cara de desgosto do meu pai que sempre odiou a ideia de que eu e minha irmã não seríamos suas criancinhas para sempre.

Assim que Maya fecha a porta do carona, percebo que não tenho muito mais tempo para fazer aquilo que planejara. Engoli toda minha timidez e fique frente a frente com João Vicente. O meu plano inicial era beijá-lo e ir embora no carro antes que ele pudesse falar qualquer coisa, contudo, minha vergonha jamais me permitiria tanto. Escolho tomar uma atitude menos covarde e que caiba dentro dos meus limites nervosos sem causar um pane em meu corpo. Lenta e suavemente toco o rosto de João V., o puxo até que possa alcançá-lo e lhe dou um beijo na bochecha.

O mundo pareceu andar em câmera lenta. Sei que o beijo não deve ter demorado mais que três segundos, mas me pareceu uma eternidade que eu queria e não queria que acabasse.

Quando me afastei, o rosto dele virou de modo instintivo para o lado fazendo com que nossos lábios roçassem um no outro antes de nos distanciarmos por completo. Percebi com surpresa que os seus braços estavam envolvendo minha cintura em uma espécie de abraço. Sorrimos um para o outro como dois bobos alegres por mais patética que a cena possa ter parecido.

- Tchau, Lívia! – os braços dele continuavam firmes ao redor da minha cintura.

- Tchau, João V.! – sussurrei como se aquele fosse nosso segredo mais íntimo.

Quando João V. me soltou, caminhei em direção ao carro sem olhar para qualquer outro lugar que não fosse o chão abaixo dos meus pés. Meu pai arrancou com o carro assim que fechei a porta. Maya soltou um gritinho.

- Era disso que eu estava falando, garota! Tomar atitude sem medo se ser feliz. Acabou-se a era em que temos que esperar sentadas o cara fazer alguma coisa. Aprenda comigo, Liv: homens são meio lerdinhos para certas coisas, principalmente homens tímidos como o seu.

- Do que vocês estão falando? Quem era aquele garoto? Desde quando você tem um homem, Lívia? – questionou, em pânico, meu pai.

- Ele te convidou? Você me disse no intervalo que ele queria te convidar. – Maya impede que eu responda às perguntas de nosso pai. – O Math disse que o convenceu a ir, mas não falou nada sobre vocês.

- Quem quer convidar a Lívia e para onde? – meu pobre pai estava perdido.

- O Matheus convenceu o João Vicente a ir? Certamente não foi por minha causa. – saboreio cada letra do nome do meu queridinho como se fosse um doce maravilhoso e viciante.

- Quem se importa, Liv? – Maya quicava de alegria no banco da frente. – E ele te convidou ou não?

- Não chegamos a falar sobre isso. – suspiro descontente.

- Ah! Acho que entendo. – Maya sorri gaiata. – Não tiveram muito tempo para falar, não é, beijoqueira?

- Beijo... queira... – papai parecia em estado de choque.

Encosto a cabeça no banco de couro do carro e fico sonhando com o dia em que eu darei um beijo de verdade no meu queridinho. Se é que este dia chegaria.

Almas GêmeasOnde histórias criam vida. Descubra agora