Aponto com o indicador para a minha garganta e finjo vomitar com a cena que acabei de presenciar assim que Lívia vai embora. João revira os olhos e começa a caminhar em direção à frente do colégio sem me esperar. O sigo com passos lentos, sem pressa de ficar ao lado dele ou iniciar qualquer conversa. Tudo o que eu queria era chegar à minha casa e aproveitar meu aniversário sem mais preocupações.
- Você deveria procurar tratamento, sabia? – João falou depois de uma longa caminhada em silêncio. – Toda essa sua implicância com a Lívia não pode ser normal.
- Vai defender a namoradinha agora?
- Está com ciúmes, Math?
- Eu já disse que não tenho ciúmes de você. Só acho que poderia encontrar alguém melhor que...
- Eu não estava falando de mim. – interrompeu ele.
O meu cérebro lerdo demorou um pouco para compreender que ele quis dizer com aquilo. Acelerei até ficar bem ao lado de João.
- Você está dizendo que... Argh, não. Não tenho nenhum interesse naquela garota insuportável. O que você viu nela? Ela não é lá um símbolo de beleza e parece uma gralha quando fala. Sem falar daquele cabelo comprido de pagadora de promessas.
- Nem tudo se resume a beleza ou algo físico. – resmunga ele. – Se fosse por isso, a Maya nunca ficaria com você.
João se cala e olha para o outro lado para deixar bem claro que vai ignorar minha presença. Suspiro. O conheço muito bem para saber quando está magoado comigo (sem falar no insulto nada discreto à minha aparência). Talvez ele realmente sinta alguma coisa pela (argh!) Lívia e eu esteja sendo uma âncora amarrada aos seus pés. Suspiro novamente e, como o homem maduro e bem resolvido que sou, percebo que só há um jeito de fazê-lo me desculpar.
Seguro a mão direita de João e entrelaço nossos dedos com força. Os olhos dele arregalaram-se com o susto, mas logo ele percebe o que eu estava fazendo e me encara com impaciência.
- Esta é a mãozinha da paz. – repito a frase que Manuela criou para nos fazer parar de brigar quando eu e ele éramos crianças. – Se estiver com raivinha, me dê sua mãozinha e brigaremos nunca mais.
- Para com isso, Matheus! – João tenta soltar sua mão. Eu aperto com mais força.
- Não pode soltar a mãozinha da paz sem o perdão. Quer que nossa amizade acabe para sempre?
- Contanto que me largue...
- Vou segurá-la até que me desculpe. – decreto com ar imponente. João para de tentar se soltar, mas também não me encara durante todo o caminho de volta. Balanço nossas mãos unidas para frente e para trás para aumentar sua raiva e o escuto resmungar com o vento.
Quando nos deparamos com os portões de acesso ao condomínio, vejo Rui, o porteiro, olhar com desconfiança para as nossas mãos unidas. As ergo rapidamente acima da cabeça até que fiquem bem visíveis a ele. João cobre o rosto com a mão livre, envergonhado, e volta a tentar se afastar. Mantenho-me firme.
- Você implica até não poder mais, enche meu saco durante a manhã toda por um assunto que não é da sua conta, discute com meio mundo e quem paga por isso sou eu? – João suspira e eu confirmo com a cabeça.
- Brigaram novamente? – perguntou Manuela para mim quando nos aproximamos de minha casa. Ela estava parada em frente à porta, de braços cruzados encobrindo a foto dos Beatles que estampava sua blusa preta favorita.
- Está falando da minha briga com a Maya, com a Lívia ou com a tia da cantina que me deu o troco errado de novo? – pergunto e finjo finalmente perceber sobre o que ela está falando quando olho para a minha mão presa a do seu filho. – Oh, isto? Não é nada. Logo o seu filhote me perdoará, não é, Mozão?
- Mozão? – perguntou ela.
- É. O João é o meu Mozão e a Maya é meu Mozinho. Nunca te disse? – explico para a mãe de meu amigo. – Por isso eu quero protegê-lo de todo e qualquer mal. Principalmente aqueles que começam com L.
João me fuzila com o olhar. Respondo com um sorriso. Ele massageia a testa com o indicador e o polegar para aliviar o estresse e finalmente fala:
- Eu te desculpo por ser um chato insuportável.
- Obrigado.
Solto a mão de João e caminho até a minha porta, chacoalhando as chaves de casa que Manuela me entregou. O chaveiro do Relâmpago McQueen acende a lanterninha dos faróis quando esbarro no botãozinho. Prepare-se para a corrida. Katchow!
- João, você vem hoje a noite, não vem? – pergunto antes de fechar a porta. Todos os anos, no dia do meu aniversário, João vai para a minha casa e comemos pizza com bolo de chocolate escondidos de Manuela e de meu pai que sempre está com uma dieta diferente.
- Venho. – ele confirma enquanto caminha para a sua casa junto com Manuela. Ela sempre esperava até que eu chegasse a minha casa para poder ligar para meu pai confirmando que cheguei inteiro e para entregar as chaves de casa que ele nunca confiou a mim, pois sempre fui muito descuidado principalmente no que se refere ao tão amado aparelho celular. Perco um por mês praticamente e por isso o apetrecho mais moderno do meu celular atual é um espaço para um segundo chip que nunca uso. Por falar nisso...
Vasculho os bolsos da minha calça. Nada. Droga! Perdi meu celular de novo.
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Almas Gêmeas
Teen Fiction"- Almas Gêmeas... As pessoas romantificaram demais essas palavras. Sinceramente, algum de vocês realmente acredita que existe uma única pessoa no mundo que é o amor da nossa vida? Que nasceu para nos pertencer assim como nascemos para pertencer a e...