É você

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Zhan ainda não havia se acostumado com aquela nova visão de seu quarto, por isso, mais uma vez se encontrava parado aos pés da cama. As mãos espalmadas sobre o tecido macio que cobria o colchão igualmente amistoso que já fora testado, talvez não como os bons modos exigem. Pelo contrário, fora com um corpo adulto pulando sobre ele incansavelmente até o ar lhe faltar e a pele do rosto ficar marcada por uma suave camada de suor.

Literalmente, havia feito da cama um pula-pula e se permitiu gargalhar, o que era raro de acontecer.

Claro que ninguém o culpava ou esperava por algo diferente e se esperasse também, tanto faz, ele não ligava mais para isso. Não quando depois de infinitos dias de expectativas percebeu por fim que ninguém viria. Ninguém procuraria por ele... não havia visitas, telefonemas, cartas ou algum mimo de sua família. Nada. Xiao Zhan estava definitivamente esquecido por todos que deveriam ser os únicos a estarem do seu lado.

O mundo inteiro poderia dar as costas para si e isso machucaria, incomodaria e talvez até causasse certa insegurança. No entanto, quando as pessoas com quem acreditava fielmente que estariam sempre ao seu lado, as que deveriam estar, te viraram as costas, não apenas doía, massacrava. Lhe rouba o ar como um soco bem dado na boca do estomago, te fazia fraquejar e ficar de joelhos. Para levantar, precisaria de muita força de vontade e determinação, coisa que Zhan sempre teve ou achou que tivesse até o primeiro dia que passou ali. Ainda lembrava de como desejou estar morto naquele segundo.

As lembranças eram dolorosas o bastante para involuntariamente passar os braços entorno de si, abraçando as curvas frágeis de um corpo mal alimentado. Não estava desnutrido ou passava fome, mas comia algo desagradável ao paladar, comida de presidio seria melhor que aquilo com total certeza. Poderia trocar? Faria com prazer. Até mesmo sabia perfeitamente contra quem cometeria o crime que o tiraria de uma sela no sanatório para uma policial, já vivia em restrição de sua liberdade, diferença nenhuma faria se era em uma clínica ou no presidio.

Ao seu ver, essa troca lhe traria muitas vantagens. Quando se tem algo a perder, o temor sempre está o rondando fazendo agir com cautela nas decisões e atitudes; mas quando não possui mais nada, até a sensação de ter medo seria bem-vinda. Queria apenas sentir... sentir algo além do desespero que o cobria com seu manto úmido, repulsivo e fátuo.

Certa vez a raiva contra aquele que nem ao menos gostava de citar fora tão intensa, que em um ímpeto de fúria e no rompante da adrenalina, reagiu à forma descortês com a que estava sendo tratado. Haviam se passado três semanas de estadia na Yiling, foi a primeira vez que descobriu o quanto uma descarga elétrica poderia ser perturbadora e incapacitante.

No dia seguinte, o enfermeiro terrivelmente contente com um sorriso satisfeito apareceu para acorda-lo como habitual e nesse fatídico dia descobriu que tanto teto, parede e piso eram estruturados a prova de som. O isolamento acústico impecável que impedia perfeitamente a liberdade dos gritos aterrorizantes, pedidos e suplicas de saírem revelando aos outros o que acontecia nos primeiros dias... na primeira semana... terceira e então perdeu a conta.

Literalmente desistiu.

Jogou a toalha sob a mesa em um claro sinal de redenção após incontáveis dias preso naquela caixa de sapatos localizada no terceiro andar de um corredor assustadoramente silencioso. Não existiria uma única alma que pudesse condena-lo por ter tomado essa atitude. Uma tão indigna de si comparada com o homem que fora criado para ser, mesmo assim, se tornou complacente. Qualquer que fosse o caminho necessário para que o deixassem em paz, ele estaria tomando-a de bom grado.

Feng Cong, o maldito enfermeiro. Seu carcereiro como passou a defini-lo, não pareceu satisfeito com o silêncio que tomou o jovem Xiao depois de sua revelação, na verdade esperava que o pânico que o atingisse fosse maior e mesmo que tivesse colocado afinco em seu trabalho de causar-lhe aflição sempre saia frustrado, até que para o azar de Zhan, presenciou algo que lhe deu um prato cheio de oportunidades que não demorou pôr em pratica. E nesse dia Xiao realmente fora capaz de machucar alguém e acrescentar a sua infinita lista de insanidade um quadro agressivo e perigoso o que lhe deu cama de contenção.

𝐑𝐞𝐚𝐬𝐨𝐧 𝐨𝐟 𝐦𝐲 𝐥𝐢𝐟𝐞 - 𝐘𝐢𝐳𝐡𝐚𝐧Onde histórias criam vida. Descubra agora