Prólogo.

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 Ser cocheiro de madrugada era um trabalho deplorável, de verdade. Você nunca vai levar alguém bem da cabeça, da vida ou de boa moral as 3:10 da manhã de uma terça. Eram sempre as amantes, os bêbados que tinham dinheiro e por isso te tratavam como lixo mesmo estando no fundo do poço, esse eram os piores. Tinham também os bêbados-encomenda, aqueles que eram colocados na cabine como se fossem pacotes deixados nos correios, seus amigos dizem o destino, pagam a tarifa e somem de vista, o ruim era que esses volta e meia vomitavam na cabine, ou ficavam chorando as dores da vida, daria para escrever um livro com as histórias de amor que já escutou. Também tinham os bem-vestidos suspeitos, sempre de sobretudo, sempre com uma maleta e nunca falavam uma palavra além do endereço que queria ir, Alfredo sempre presumiu que esses lidavam com dinheiro sujo, era o único crime que conseguia pensar que precisava usar um transporte discreto, mas que não exigiam a pressa de fuga que ladrões e assassinos precisavam, além do anonimato. Tinha medo desses aí. As que ele mais gostava eram as cortesãs, dançarinas e prostitutas, mas não pelo motivo mais óbvio. Era porque elas eram as mais simpáticas, as que tinham condição de pagar transporte eram cheirosas, vestiam roupas bonitas e maquiagem bem feita, elas sempre o chamavam com o sorriso e tinham vozes acolhedoras, elas terminavam seus trabalhos pouco antes do amanhecer, então acabavam fazendo ele esquecer das últimas horas exaustivas que teve, sem contar que não falavam mal de suas espinhas nem de sua barbicha rala, que nem as outras garotas de sua idade. Quando não conversavam elas apenas dormiam na cabine até chegarem em suas acomodações. E quando conversavam contavam só as histórias engraçadas, Alfredo esperava nunca ter nenhuma das coisas que, segundo elas, alguns homens tinham.

Foi nessas conversas que Naely descobriu que ele ainda era virgem, não conseguiu ver o rosto dela na hora, mas sua súbita falta de palavras o fez imaginar que ela ficou vermelha de vergonha por ter passado meses contando sua vida noturna para um virgem.

"Bom." Ela disse depois que recobrou a compostura. "Não seja estupido de ter sua primeira vez em lugares como o que eu trabalho. E nem deixe seu pai te obrigar a isso! "Ela completou depois de uma breve pausa, como se tivesse lembrando desse detalhe. "Esse tipo de coisa acontece muito e é sempre desconfortável para todos. Encontre alguém importante, a primeira vez tem que ser com amor e cuidado. Não se esqueça disso!" Ela terminou enfaticamente.

"Não se preocupe dona, vou me guardar direitinho sim." Alfredo disse, sorrindo, gostava ver ela se preocupando com ele assim. "E nem vou deixar meu pai me obrigar." O garoto disse, soltando um riso fraco logo após. "Não o vejo a mais de um ano, estou bem seguro dele."

Pôde ouvir ela ficando surpresa e sem ar com o que acabou de ouvir.

"Então com quem você mora?"

"Comigo mesmo oras. Eu trabalho pra isso." Ele ri, mas não alto a ponto d'ela escutar, imaginou que sua mãe reagiria do mesmo modo se estivesse viva.

Naely ficou em silencio, provavelmente não se sentia no direito de fazer perguntas, então decidiu contar sua história.

"Sair de casa é quase uma tradição em minha família, todas as minhas irmãs se casaram e foram viver suas vidas, eu não lembro muito delas, era pequeno quando a mais nova foi embora. Mamãe adoeceu alguns meses antes de eu fazer 17, era tuberculose. Quando ela se foi eu já tinha 17 e sobrou só eu e meu pai em casa, ele tinha se tornado uma pessoa rancorosa e raivosa, brigamos muito no meu último mês lá, trocamos até socos, mas eu tinha a impressão de que ele queria mais ser machucado do que me machucar, sabe? Porque se não ele teria me matado com algum de seus cutelos de açougue. Acabei vendo que não tinha mais motivo para continuar morando lá e fui-me embora."

"Gosto de pensar que homens ruins existem para os homens bons saberem o que não fazer..." Ela suave voz diminuiu aos poucos, até se calar.

Naely ficou em silêncio o resto da viagem e ele achou melhor se juntar a ela.

As viagens seguintes foram como de costume, conversa leviana e risadas, mas pensando agora, Alfredo percebeu que foi aí que passaram a ser amigos. Depois disso também que percebeu que queria que sua noite especial fosse com Naely, sabia que isso não aconteceria, mas sonhar não mata. Os primeiros raios de sol surgiam no céu, lembrando-o de quem logo teria que buscá-la.

O jovem cocheiro foi arrancado de suas divagações quando um homem debaixo de um poste de luz fez sinal para embarcar, acompanhado de um curto e baixo assobio. Alfredo fez seu cavalo parar, desceu do carro e se dirigiu até a porta, olhou rapidamente para seu passageiro, era um bem-vestido suspeito, com certeza, não gostava de olhar muito para eles então andou ainda mais rápido para a porta, abriu-a, voltou seu olhar para o homem e se viu na mira de uma besta de mão, que logo foi acionada.

Antes da flecha furar sua carne ele se entristeceu por não poder mais buscar Naely no trabalho.

As Ruas da VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora