Prólogo: O Estranho

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   O estranho não tinha nome. O estranho não tinha dinheiro. O estranho não tinha nada. Riki não existia no mundo inteiro, a não ser para alguns. Perdido nas ruas de Gimpo, a cada giro de seu pescoço e estremecer do seu olhar, ficava mais confuso. Ele já peregrinou por dias e noites, estava completamente exausto, porém queria chegar ainda mais longe.
   Seus olhos, cujo vieram tão claramente do Japão, avistaram de longe uma bicicleta. Ele cambaleou alquebrado até ela, que estava sozinha na calçada, presa a um poste, pedindo para ser levada consigo.

   Agarrou a corrente com suas mãos e com sua mente destrancou o cadeado. Quando caiu no chão o ferro pesado, fez-se um barulho notável. O dono da bicicleta olhou para trás. Era um homem gorducho, sentado no banco gélido de uma lanchonete. Ele apontou seu dedo nojento para o menino e aloprou com palavras complicadas as quais ele não podia entender. Mas nada disso importava, já era tarde demais para xingar.
   Riki estava pedalando no canto da rodovia, rápido como um guepardo e em outros asfaltos.

   Foi neste momento que um rapaz alto e de bom rosto chegou na lanchonete, recepcionado no que parecia ser uma discussão calorosa em seu auge:
— Me deixe ligar para a polícia! Meu celular estava na sacola dentro da cesta daquela bicicleta! — cuspia as palavras como veneno, com o rosto vermelho e lábios trêmulos.
— O que aconteceu? — perguntou o rapaz, curvando suas sobrancelhas de perplexidade.
— Você é policial? — indagou o homem, se virando para ele com uma obsessão assustadora em seu olhar.
— Não... — respondeu miúdo, e então pôs a mão dentro do bolso do casaco e tirou algo — mas tenho um celular.
— Ah! É mais que o suficiente! — exclamou categórico, alternando entre sentimento de satisfação e uma entonação ríspida.

   Enquanto isso, Riki entrava em todos os becos que lhe aparecesse pela frente, até mesmo pelos mais sinuosos. Chegou o momento em que o Sol cruzava o horizonte. Ele estava em uma estrada de reta de terra seca, perto de uma mata.
   Ainda seguindo por aquela estrada, descobriu uma pequena cidade. Estava cansado de pedalar, então chegou a conclusão de que estava satisfeito com aquele lugar que havia encontrado.
   De modo frívolo, largou a bicicleta no chão de terra e continuou caminhando até que já estivesse em um chão asfaltado com retângulos de pedra. Naquela noite, dormiu em uma esquina longínqua, em baixo do teto de um posto escuro, frio e úmido.

***

   Em Gimpo, aquele rapaz alto e bonito chegava em sua casa. Ele deixou a chave sobre a cômoda atrás da porta e tirou seus sapatos, guardando-os dentro de uma sapateira alta, que possuía um mau cheiro de vez em quando.
— Eu cheguei, pai. — sorriu para o homem sentando em uma poltrona.
— Resolveu aquela história da bicicleta?
— Já estão rastreando o celular.
   Ele tirou seu casaco e o enrolou em seu braço, sentando-se ao lado de seu pai e servindo a si mesmo um copo d'água, que ficava guardada dentro de uma garrafa exposta em cima da mesa central.
— Você tem que fazer seu TCC, tudo bem continuar passando por aqui? Por Deus, Sunghoon, ainda não é promotor! Espero que saiba disso.

   O pai, que estava a vontade em sua poltrona no canto da sala riu, desde que seu filho, Sunghoon, sempre foi apressado para terminar a faculdade.
— Vou passar aqui quantas vezes eu puder, afinal, sinto saudades de casa. O dormitório nunca foi tão vazio quanto antes.
   A família Park era assim desde que seu filho veio ao mundo. Quase padrão, mas verdadeiramente feliz. Um pai e uma mãe com bons trabalhos, um filho único e bonito — e para melhorar, com a carreira nas mangas. Adorados pelos vizinhos e raramente odiados. Nada podia estragar o relacionamento perfeito daquela família.

   O jovem rapaz subiu para o seu quarto, que era iluminado por uma lâmpada amarelada. Seu guarda-roupa ficava aberto na maioria do tempo para que o mau cheiro dos sapatos, que ficavam guardados na parte de baixo saísse. A janela era sempre fechada pela pequena cortina e os livros de direito ficavam amontoados em um canto imprevisível. Um doce caos.
   Ele deitou sua cabeça no travesseiro e tirou o celular do bolso. Havia uma conversa aberta.

O EstranhoOnde histórias criam vida. Descubra agora