Como é que um simples pedacinho de papel pode mudar a vida de alguém? Eu explico: acabei de chegar da bilheteria. Estou com calor, suada, exausta, provavelmente desidratada, com as pernas bambas e com fome - mas não é isso que importa. O que importa de verdade é que eu consegui. Tenho na palma da minha mão um pedacinho branco papel que, na linguagem formal, me permite a entrada segura e total para o evento e um lugar reservado em meu nome para que eu aprecie um concerto de música contemporânea, ou se preferirem, eu vou pro show do Linkin Park, porra!
Desculpem a linguagem. Minha mãe sempre diz que não é adequado uma garota da minha idade - dezoito - falar palavrões assim, e me contenho ao máximo para não falar, mas hoje, hoje eu vou falar palavrão nessa porra! Vou falar palavrão até hoje a noite, que é quando o show acontece. Eu sei, eu sei, comprei o ingresso em cima da hora, mas só consegui todo o dinheiro ontem, quando minha vó fez a gentileza de me dar os cinquentinhas que faltavam. Eu vinha ajuntando há três meses, guardando todo o dinheiro do lanche que minha mãe me dava todos os dias, ajuntando as latinhas dos meus refrigerantes e vendendo, e estou orgulhosa por ter conseguido, e orgulhosa também por ter conseguido um ingresso no mesmo dia do show. Isso é meio impossível, mas eu sou foda e consegui.
Mesmo sendo Soldier há quatro anos, nunca tive a oportunidade de ver aqueles caras ao vivo, então esse show significa muito pra mim. Claro, quem tem um ídolo sabe do que estou falando, e sabe também como é o preconceito desses cidadãos escravos inconscientes da sociedade, que não sentem esse amor puro, verdadeiro e poético que só um fã sente. Amar alguém sem nunca tê-lo visto pessoalmente não é pra qualquer um, não. Costumo dizer que é só para os bodas, mas como hoje estou totalmente liberada a falar palavrões: é só para os fodas.
Minha mãe me disse ontem a noite, quando eu estava surtando por ter completado o dinheiro que faltava, que eu podia tentar ser mais normal. Ao invés de beijar posters do Brad Delson, beijar meninos de verdade. Ao invés de ler notícias sobre bandas por aí, tentar ler algum livro cultural, mas cá entre nós, isso é chatice total. Só falta ela querer que eu ouça música erudita! Será que é tão difícil assim para as mães aceitarem que nas veias de seus filhos corra um sangue de fã? Se eu chegasse pra minha mãe e dissesse que larguei os estudos, que estou grávida e que faço parte de uma gangue, ela não faria a mesma cara de espanto que fez quando contei que ia para o show. Isso provavelmente acontece com as mães de todos nós, fãs, e acho que sei por quê. Ciúme. Minha mãe já repetiu várias vezes: quando eu peço alguma coisa você não faz, mas se o linke párke pedir você faz correndo. Exatamente. Ela fala assim mesmo o nome da banda. Mas eu nem ligo, às vezes é até engraçado ela falando nomes dos artistas, e afinal de contas, toda mãe é poser.
Tudo bem, acho que vocês já entenderam meu ponto de vista. Vou parar de viajar pelos horizontes da imaginação e ir arrumar minha mochila. Vou pra fila do show agora. Sei que já vai ter muita gente lá, mas usando minha inteligência incalculável, dou um jeitinho de pegar um bom lugar. E ainda planejo ver a banda chegando e saindo do Arena Show, grudar meu rosto no vidro do carro e mandar um beijo pro Brad. Claro que a segunda parte é meio impossível, mas até ontem era impossível eu ir no show também, então beleza.
Jogo na bolsa uma troca de roupa, garrafas d'água, amendoim e sanduíches. Acho que isso é tudo de que preciso. Ou não... Droga! Nunca fui em um show, socorro, o que devo levar? Será que é bom levar uma lanterna? Acho bom levar, vai que acaba a energia lá. Vou levar também um tubo de pasta de dente. Não quero ficar com mal hálito, o Brad não vai gostar nem um pouco. Não que eu seja daquelas fãs que sonham que seu ídolo virá montado em um cavalo branco, de armadura reluzente, pegará ela no colo, fará uma declaração e a levará para seu reino, mas vai que o Brad me vê e se apaixona? Nunca se sabe.
Pego uma blusa, um estojo de primeiros socorros e um spray de pimenta e, quando percebo, minha bolsa quase não fecha. Dou uma apertadinha aqui e ali e pronto.
Tomo um banho caprichado, seco meu cabelo e resolvo passar chapinha. Preciso ficar impecável pro Brad. Visto meu melhor jeans, meu all star pretinho básico, e claro, uma camiseta da banda. Ela é toda preta e tem o nome Linkin Park escrito em branco bem abaixo do símbolo da banda, também em branco. Ela é bem simples, se comparada com uma que mandei fazer recentemente, com a cabeça de todos eles nos corpos de homem sarados e reluzentes. Eu até iria pro show com ela, mas se eu vir o Brad, ele pode pensar mal de mim. Ah, Brad, vê o que você faz comigo? Tanto cara fortão por aí e eu babando por um cabeludo, bobo e que usa all star sujo. Oh, vida de gado!
Tudo pronto, pego um sanduíche para comer no caminho. Enquanto destranco a porta da sala para sair, ouço minha mãe gritando:
- Posso saber onde a senhorita está indo?
- Pro show, ué.
- A essa hora? O show não é de noite, Hana?
- É, mãe. Eu vou agora pra tentar pegar um lugar bom e tentar conhecer o Brad.
- Ah meu Deus, vê se pode uma coisa dessas! - Ela balançou a cabeça negativamente. - Tudo bem, vai lá. Só volte viva, tá?
- Pode deixar. - Sorri pra ela e corri em disparada até a rua.
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É tudo culpa do Linkin Park
RomanceHana é fã da banda Linkin Park, e mal pode acreditar que em poucas horas vai realizar seu maior sonho: ir para o show da banda. Por ironia do destinho, conhece na fila do show o Caio, um garoto cabeludo e que usa óculos de Harry Potter. Por uma iron...