Capítulo 8

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Saímos para a calçada, olhando cautelosamente para os lados para nos certificar de que ninguém nos seguia.

- Vai lá, Caio, você está no controle. Diz, como a gente vai voltar pro Arena?

- Ah, sei lá! Você que é a rainha das boas ideias.

- Já vou avisando que não vou entrar num ônibus e sair sem pagar outra vez. De agora em diante, quero fazer tudo de acordo com a lei.

Caio estalou os lábios.

- E como é que a gente pode fazer algo "dentro da lei" pra conseguir dinheiro pro ônibus?

- A gente pode fazer aquilo que fazemos melhor. - Abri um sorriso amarelo.

- Atrapalhar a vida das pessoas? - Caio perguntou, realmente confuso.

- Não, seu besta. Cantar. Nós podemos cantar.

- Hana, - Caio juntou as mãos como se fosse me suplicar algo. - acorda pra vida! Em que mundo você vive? Nós nunca cantamos juntos. Nem sabemos como fazer isso. Se liga! Vai, vamos andando que é melhor.

- Caio, cala a boca! Vamos cantar sim. Olha, - abri a mochila e peguei minha lanterna, que não acendia mais e tinha água atrás do vidro que protegia a lâmpada. - tenho essa lanterna que está quebrada. Você usa ela pra batucar e fazer o ritmo, e eu, cantarei. - Passei as mãos no cabelo teatralmente.

- Primeiro: você não canta. Segundo: eu não toco. Terceiro: por que alguém traz uma lanterna pra um show?

- Queridinho, eu me preparei para o pior, e fiz certo. Olha nossa situação. Agradece logo e diz como minhas bugigangas são úteis.

Caio bufou.

- Olha, são exatamente sete e vinte e cinco. O show começa às oito. Temos pouco tempo pra conseguir o dinheiro, voltar pro Arena e tentar entrar de penetra, então melhor corrermos.

Mesmo com uma certa relutância, Caio acabou cedendo. Atravessamos a rua e paramos perto de uma farmácia.

Jogamos nossas bolsas no chão e nos sentamos.

- Qual música a gente canta?

- Pra gente entrar no clima, que tal New Divide? - Caio deu de ombros.

- Tá doido?! Não sei se consigo cantar essa, não. - Balancei a cabeça negativamente.

- Consegue, sim. Na parte que o Chester grita the distance in your eyes, é só você cantar com o diafragma e não com a garganta.

- E como se faz isso?

- É como tossir. O som da sua tosse vem do estômago. Sua voz pra gritar tem que vir do estômago também.

- Ah... - Pensei por um momento. - Certo, tô pronta.

- Não quer nem ensaiar primeiro?

- Pra quê? Vai assim mesmo.

- Tudo bem. - Caio deu de ombros.

Ele era um garoto inteligente, isso eu tinha que admitir. Por mais que ele me tirasse do sério com aquele jeito mole dele, era uma boa companhia. Oh, céus, nunca em todas essas horas que passamos juntos, pensei que fosse dizer uma coisa dessas sobre ele!

- Pronta?

Fiquei de pé.

- Prontinha.

Caio começou a bater a lanterna no chão e revezar os sons com a mão, quando eu gritei:

- Para!

Ele se assustou.

- Que foi?

- Esquecemos o mais importante.

- O quê?

- Isso. - Tirei meu sapato e coloquei na nossa frente, para que os pedestres jogassem suas moedas.

- Af, Hana. - Caio riu. - Bom, podemos ir agora?

- Sim. Solta o som DJ! - Ergui o braço e gritei para que todos na rua ouvisse. - Please welcome, Mr Hahn.

Caio riu de novo e começou a batucar.

Eu, com um pé calçado e outro não, com uma roupa horrenda e com o cabelo parecendo uma vassoura, comecei a cantar a música. Não sei se foi a emoção do momento, o dia carregado, a gripe que eu estava prestes a pegar ou a vontade de conseguir o dinheiro para ir ao show, mas soltei minha voz e me surpreendi como quão boa ela soava.

Algumas pessoas foram se aproximando e batendo palmas - acho que mais porque estávamos engraçados do que por talento, mas tudo bem. Algumas moedas caíram dentro do meu tênis e eu olhei animada para Caio, que sorriu.

Assim que consegui cantar aquela parte com o diafragma como Caio me dissera, várias pessoas aplaudiram e, cá entre nós, me senti top.

Mais moedas caíram dentro do sapato. Tínhamos quase tudo o que precisávamos.

Cantamos a música toda e no fim, todos em volta - cerca de quarenta pessoas - aplaudiram e assoviaram. Meu coração estava acelerado.

Um garoto passou pela nossa frente e olhou para mim.

- Perna da hora em gracinha! - Ele deu uma piscadela que mais parecia ataque epiléptico.

Olhei para ele com um olhar de desprezo antes de responder:

- Pena eu não poder dizer o mesmo.

Ele me olhou com cara de assustado e depois de ofendido, e saiu andando.

A multidão já estava se dispersando quando eu e Caio pegamos meu tênis, nos sentamos na calçada e começamos a contar as moedas.

Passamos alguns minutos esvaziando o tênis até confirmarmos que tínhamos conseguido vinte reais.

- Cara, era mais do que eu esperava! - Caio estava radiante.

- Olha, a gente paga as passagens e depois divide o resto, tá?

- Combinado.

Calcei meu tênis, pegamos nossas mochilas e corremos para o ponto de ônibus.

É tudo culpa do Linkin ParkOnde histórias criam vida. Descubra agora