Capítulo 4

345 26 3
                                    

O sol diminui, mas o único vento que passava por nós era projetado pelos carros na rua a frente. O céu estava mais escuro, dando a impressão de que cairia um mar de chuva.

Eu torcia para que não.

Peguei na minha bolsa a blusa que havia trazido e joguei-a sobre a cabeça e, com as mangas, comecei a me abanar.

Katherine estava sentada sob um guarda-sol rosa enquanto seu segurança a abanava com um leque também rosa. Era incrível como aquela garota conseguia me dar mais náuseas a cada minuto.

O garoto cabeludo estava ouvindo música com seus fones e mexendo os dedos como se estivesse tocando um violão imaginário. Ele parecia tão sereno com as pernas esticadas, a cabeça apontada para o céu e os olhos fechados. Parecia não se incomodar com o calor e nem com a anta ao lado dele. Se bem que, acho que ele fez isso de propósito. Se desligar um pouco do mundo pra não ouvir as baboseiras que aquela nojentinha dizia a todo momento. Pensei em fazer o mesmo mas, quando procurei pelos meus fones, descobri que os havia esquecido em casa.

Me encostei novamente na parede e senti  suor escorrer pelo meu rosto. Ah, droga! Minha chapinha deve ter desfeito toda! Quero nem ver meu cabelo como deve estar. Af, agora é que o Brad não vai me notar mesmo.

 Um barulho de trovão soou tão alto que até o garoto cabeludo, que tinha seus ouvidos tapados pelos fones e pela música, abriu os olhos e olhou pro céu.

Pingos finos começaram a cair, e numa tentativa de me proteger da chuva, coloquei a mochila sobre a cabeça.

Katherine soltou uma risadinha de deboche, mas logo parou quando seu segurança se dirigiu a mim:

- Senhorita, venha pra debaixo do guarda-sol.

Katherine o fuzilou com o olhar e balançou a cabeça negativamente.

- Não, não, não, Augusto. Eu me recuso.

- Mas senhorita Katherine...

- Já disse que não! Não quero pegar nenhuma doença.

Não consegui disfarçar o nojo que sentia por aquela garota.

- Deixa, Augusto. Eu tô bem aqui.

- É, Augusto. Ela tá bem.

Augusto olhou para mim, pedindo desculpas silenciosamente, e eu acenti. A raiva que sentia por aquela garota me fervia o sangue, e antes que eu percebesse, soltei uma cuspida monstra na cara dela, que soltou um grito agudo  e cobriu o rosto.

- Sua porca, nojenta, gentalha! Ahhhhhh! Augusto, limpa! Rápido!

- Mas não tenho nada, senhorita Katherine...

- Pegue o lenço! Anda!

- Mas está seco...

- Está chovendo, imbecil. Molhe na água da chuva! Ai, Augusto, anda. O cuspe dessa troglodita é tão contaminado que posso ficar cega. Vai!

Augusto riu baixo enquanto molhava o lenço e passava no rosto de Katherine.

- Você está rindo, Augusto? Não acredito! Vou mandar o papai te demitir e contratar um cavalheiro de verdade pra tomar conta de mim!

Augusto piscou para mim e continuou limpando a garota. Abaixei minha cabeça, me concentrando em ver a chuva cair, quando vi braços apavorados acenando ao meu lado. Me virei e vi o garoto fazendo todos os sinais possíveis para que eu o notasse sem ter que dizer uma palavra. Quando ele percebeu que eu estava olhando para ele, estendeu o polegar e me mostrou um jóia, depois colocou a mão na boca e abafou uma risada.

Não que me fizesse falta a aprovação alheia, mas fiquei feliz em saber que ele aprovara meu gesto, e nem sei bem o por quê. Acho que cuspir na cara daquela garota era tudo o que ele queria fazer desde que chegara na fila, e eu fui lá e fiz, e ele me admirava. Fosse como fosse, eu estava feliz com o que havia feito. Ela bem que mereceu, e eu e aquele garoto cabeludo podíamos ser totais desconhecidos, mas tínhamos muito em comum: ódio mortal pela Katherine sei-lá-o-quê. Com essa força em comum, podíamos criar uma liga Anti-Katherine e espalhar nossa força por todo o mundo, divulgando selos, camisetas e produtos com o um símbolo em forma de cuspe e o rosto da vadia no meio; mas também podíamos permanecer sentados nessa fila, na chuva, rindo baixinho, porque é bem mais fácil.

Por falar em facilidade, a chuva bem que podia passar. Dez minutinhos de chuva e eu já estou encharcada. Prevejo um baita resfriado a caminho e uma bela bronca da minha mãe, mas é pelo Linkin Park, e por eles eu suporto até a jumenta do meu lado.

Ouço murmúrios altos na fila e ela começa a se mover lentamente. Estamos entrando! A vide é bela, maravilhosa, perfeita! Vou entrar agora no Arena Show e ver aqueles caras no palco, ao vivo, e tudo vai valer à pena.

Tiro do sutiã o meu ingresso intacto e sigo em frente. Ouço Katherine murmurar um "já era tempo" e depois se calar. Só de pensar em todo o tempo que esperei, em todos os dias que chorei por medo de nunca conseguir realizar esse sonho, começo a chorar. As lágrimas se misturam dramaticamente com as gotas de chuva. Não tem como segurar. Pensei tantas vezes em desistir, em tentar deixar pra lá, mas hoje, hoje é meu dia! Assim como uma garota de quinze anos sente-se realizada em sua festa de debutante, me sinto aqui, agora. Vou vê-los, cantar com toda a minha garganta até ficar sem voz e surtar vendo aqueles homens que me salvaram tantas vezes.

Chego perto da catraca. Vejo do outro lado gente correndo em disparada na direção do palco, e choro mais ainda. Daqui há alguns minutos estarei lá, frente a frente com os seis caras mais legais do mundo.

Entrego meu bilhete para o homem dentro da cabine e empurro a catraca com toda a minha força, enxugando desesperadamente os olhos.

- Não vai entrar, mocinha.

Viro-me aturdida para o homem na cabine.

- Como é?

- Não vai entrar. - Ele responde com um sorriso irônico no rosto.

- Por que não? - O desespero toma conta de mim.

- Seu ingresso é falso.

- O Quê? Não! Não, não pode ser. Eu...

- Próximo!

Um segurança fortão de quase dois metros de altura me pega pela cintura e me arrasta para fora da fila. Enquanto me debato para tentar me soltar, vejo Katherine apontando para mim e rindo, e em seguida, passando para o outro lado da catraca. Choro de frustração, de ódio, de raiva pelo fato de posers terem mais chances que os próprios fãs. Choro descontroladamente.

O segurança fortão me coloca na calçada em que eu estava anteriormente e fala, com sua voz de arroto:

- Vá embora, baixinha.

Sinto meu sangue ferver, e antes que eu perceba, respondo:

- Claro, perto desse seu corpo de escada de bombeiro eu sou baixinha mesmo.

Ele me fuzila com seus olhos fumegantes e sai batendo os pés. Me encolho na calçada, debaixo da chuva que agora é fina, e choro tudo de novo.

É tudo culpa do Linkin ParkOnde histórias criam vida. Descubra agora