CAPÍTULO 4

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A sala de reuniões estava lotada, o som abafado das vozes e o clique de teclados preenchiam o espaço, mas minha cabeça estava a mil, longe dali. Sentei-me ao redor da mesa retangular e encarei os rostos familiares dos colegas, mas tudo o que eu via eram fragmentos da discussão com Lívia na noite anterior. Aquele tom de voz amargo, a frieza, o modo como a porta do quarto tinha batido com uma força quase simbólica... era como se ela estivesse me excluindo de vez.

O diretor de projetos, Júlio, pigarreou, puxando minha atenção de volta. Ele olhou em minha direção, esperando que eu dissesse algo.

— Gabriel, o que acha do planejamento para o próximo trimestre? Acha viável o cronograma? — ele perguntou, os olhos fixos em mim. Júlio era sempre direto, nunca hesitava em pedir minha opinião, mas eu sequer sabia do que ele estava falando.

Minha mente vagou em busca de uma resposta, qualquer resposta.

— Sim, é... é viável. Podemos ajustar conforme... conforme a equipe tiver disponibilidade — disse, em um tom neutro, tentando disfarçar o vazio de ideias.

Júlio franziu o cenho, claramente esperando algo mais específico. Ele respirou fundo e olhou para o diretor financeiro, que logo começou a discorrer sobre orçamentos e prazos. Tentei acompanhar, mas minhas lembranças da noite passada eram mais altas que qualquer gráfico ou projeção.

— Cara, você tá bem? — sussurrou Marcos, o colega ao meu lado, me lançando um olhar de estranheza.

Eu olhei para ele, tentando parecer normal.

— Sim, estou bem, só uma noite mal dormida — murmurei, esfregando os olhos e endireitando os ombros.

Ele assentiu, mas o olhar dele era de quem sabia que algo estava errado. E estava mesmo. Eu podia sentir tudo se acumulando: o casamento desgastado, a pressão do trabalho, as noites dormidas no sofá. A verdade é que eu já não tinha ideia de como equilibrar tudo.

Enquanto o som dos números e dos planos ecoava pela sala, minha mente vagava. Eu tentava focar nos gráficos que apareciam na tela da apresentação, mas era como se os rostos das pessoas se dissolvessem em borrões. A lembrança da voz fria de Lívia, das palavras que eu mal ouvi porque estavam carregadas de ressentimento... tudo girava na minha cabeça.

"Preciso resolver isso," pensei. Não poderia continuar assim, num ciclo sem fim entre o trabalho e a frustração em casa.

— Então, Gabriel, sobre o orçamento do novo projeto...? — Júlio voltou a perguntar, interrompendo meus pensamentos mais uma vez.

Eu me forcei a focar. Ele me encarava com expectativa, como se esperasse que eu estivesse ali em espírito, mas minha mente ainda estava longe.

— Precisamos de mais tempo para avaliar o impacto completo. Sugiro mais algumas semanas de análise detalhada — respondi, quase no automático. Era o suficiente para desviar a atenção de mim.

Júlio assentiu, mas seu olhar parecia desconfiado. Eu sabia que minha vaga tentativa de estar presente não estava funcionando. Tudo o que eu queria era sair daquela sala, pegar o telefone e tentar ligar para Lívia, resolver aquilo de uma vez.

Mas, no fundo, sabia que as palavras para aquela conversa ainda não estavam prontas.

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