Univitelinos do Dia-a-Dia

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Batatas. Podemos lavar batatas, também, se elas caírem no chão. Hoje acordei mal humorada. Tá calor e calor me deixa mal humorada. Quando tá quente você acorda suada, sai do banho suada, o gordinho, coitado, pinga litros só de levantar o dedo mindinho, a magrela, coitada, tem que deixar a perna fina à mostra, os meninos que têm franjas, coitados, ficam com o cabelo empapado (essa palavra sequer existe?) e eu, coitada, tenho que sentir cheiro de calor.
Calor tem cheiro e, se você nunca sentiu, não deseje sentir por que fede. Ah, e tenho que ver gente com cara de calor. Eca. Calor é uma bosta e bostas me deixam mal humorada.
“Bom dia, docinho.” Luka diz.
“Ai Luka. Queria te abraçar.” Eu falo.
“Ew. Não. Estamos todos suados.” Ele balança a cabeça negativamente.
É tão reconfortante ter alguém que te entenda tão bem, mesmo que você não entenda a si mesmo. Odeio levar as coisas para o lado sentimental, mas preciso: amo o Luka.
Amo o jeito que ele é alto, mas nem tanto. Loiro, mas nem tanto. Seus olhos são claros, mas nem tanto. Sua boca rosa, mas nem tanto. Ele é branco, mas nem tanto. Gay e tanto.
Colocam a prova na minha mesa. Dez questões de química, dez de história.
“Qual é a importância de x coisa?” e eu respondo “x coisa é muito importante”.
Assim que termino as provas desço à procura de Luka, ou pelo menos de alguém do nosso grupo de amigos. A decepção toma meu corpo quando vejo Fernando, Laís e Luiz perto da escada. Recuso-me a ir até lá, ao invés disso faço o caminho contrário, indo até a porta.
“camille: qndo sair daí vem ate a porta pq tava só a laís, luiz e o nando”
“camille: n queria ficar c eles!! :( bjo”
Envio as mensagens para  Luka. A dica de hoje é: antes sozinha do que acompanhada de gente fedida e que cospe em você. Assim que concluo meu pensamento sinto uma mão me puxar pra trás.
Olho, esperando que seja Laís ou o Fernando, mas não... É o Noah. Sorrio. 
“Achou que fosse Tweedledee e Tweedledum?” Ele diz, sentando ao chão e batendo com a palma da mão ao seu lado, indicando que é para eu me sentar ali. Noah é bem legal. O conheci por meio do Luka, que o apresentou para mim numa festa de alguém que eu nem lembro quem. Óbvio que meu primeiro pensamento foi: gay. E o segundo também. Se você não sabe quem são Tweedledee e Tweedledum sugiro que pesquise no Google e veja as imagens (nesse instante, se for possível). Muito engraçados, não? Eu acho. São os gêmeos da Alice no País das Maravilhas, ambos parecem bolinhas de queijos e ficam se batendo enquanto andam ou falam. Quando falou deles era à Laís e Luiz que Noah concernia e muitas vezes se refere eles como “Zack e Cody” e “Fred e George” além de, é claro, Tweedledee e Tweedledum.
Fizemos uma correção imaginária de nossas provas, com as respostas das questões que lembrávamos, o que sempre é uma idiotice por que alguém sempre fica preocupado (nesse caso, eu). De dez questões eu lembrava a resposta de três sendo que respondi quatro. Noah lembrava a resposta de seis e ele respondeu todas... Ele é um gênio, não sei se deve isso ao fato de ser asiático ou se ele realmente é um aluno dedicado.
Chego à conclusão de que não tirei mais de dois nessa prova e Noah me faz prometer que na próxima vou estudar, me dedicar, essas coisas que nem mesmo ele acredita que vou fazer. Fernando e Clarissa chegam e alguns minutos depois Luka se senta ao meu lado. Pergunto-me onde Laís e Luiz foram parar, mas fico grata por terem sumido; assim não terei que voltar com eles.
Será que sou uma pessoa má por não gostar deles? Quero dizer... Deve existir algum tipo de lei moral que impõe que não gostar de pessoas estranhas e que não têm amigos é pior e “mais grave” do que não gostar de alguém bonito e popular. Não deve? Ah, uau! Em um minuto consegui fazer duas perguntas sem respostas, três (se você contar o “não deve?” como uma pergunta)! Acho que é um recorde. Eu devia começar a me premiar quando isso acontece, então eis uma nova regra: vou dar (a mim mesma) um pedaço de bolo, ou talvez um bolo inteiro quando bato meu próprio recorde de mais perguntas sem respostas por minuto! Mariana chega e isso significa que já podemos ir embora.
Na minha escola é assim: você faz a prova e “vai embora”. Entre aspas por que quase todos, como eu, são “obrigados” a esperar quarenta ou cinquenta minutos até que cada um de seus amigos tenha terminado a prova. Vamos embora, fazendo o caminho rotineiro. Primeiro Nando e Larissa por que hoje eles vão estudar biologia. Depois Mariana. Noah. E, no fim, eu e Luka. Chego em casa e abro meu armário. Hoje é sexta e sexta é dia de? FESTA!
Não pra mim, mas pra algumas pessoas, sim. Quando você diz “sexta é dia de festa” significa que toda bendita sexta da sua vida é dia de festa, certo? No meu caso essa sexta, especificamente, é dia de festa. Alicia vai fazer dezessete anos e convidou quase todos os alunos dos segundos anos. Não é tanta gente se você levar em conta de que tem somente duas salas de segundo ano, cada uma com trinta alunos. Enfim, assim que abro meu armário percebo que meu problema de “mamãe-por-favor-compra-uma-saia-pra-mim” começou cedo. Todos meus vestidos já foram usados por mim, Mari ou Clarissa em festas que tinha gente da escola. Sempre quando preciso de roupas novas lembro-me de nunca mais emprestar meus vestidos e saias por que, às vezes, minhas amigas usam até mesmo antes de mim, então não consigo usar de novo por que parece que peguei emprestado delas e não elas de mim.
O estilo de Luka e seu gosto para se vestir é tão bom que já me peguei muitas vezes desejando que ele fosse uma menina para que eu pudesse pegar todas suas roupas emprestadas (ou roubá-las). Sento na minha cama e faço uma lista do que não esquecer antes da festa, dessa vez faço num pedaço de papel já que minhas listas imaginárias sempre acabam perdidas no fundo da minha mente (se é que ela é funda o suficiente para perder tantas).
1. Creme nas pernas;
2. Perfume;
3. Desodorante;
4. Ver se tem mancha de desodorante na roupa;
5. ROUPA!!!!!! (e sapato);
6. Presente.
Vou explicá-los o primeiro item. Antes das festas raspo minhas pernas, não sei por que, já que não ando por aí arrastando elas nas pessoas, mas vai que to sentada, alguém esbarra e acha que se encostou em um porco espinho?! Não que normalmente eu ande peluda por aí, não é isso, raspo dia sim dia não, às vezes dia não, dia não, dia sim, mas acho importante raspar antes das festas. Sempre que as deixo sem pêlos minhas pernas ficam ressecadas (e com aquele aspecto esbranquiçado) e preciso passar creme pra que não fiquem feias, mas esqueço quase toda vez e fico molhando minhas pernas no banheiro, durante a festa, numa tentativa de disfarçar. Por isso “creme nas pernas” é o primeiro item.
Feita a lista vou à procura de alguma roupa. Acabo achando um vestido com estampa étnica, meio rosa, justo ao meu corpo e que combina com uma sandália que quero usar já há algum tempo. Almoço com meus pais, o de sempre, falamos da nossa vida, das guerras, mas dessa vez ninguém se engasga. Eles vão para o trabalho e eu durmo até a hora que a mamãe chega.
“luka: vou dar um porta moedas de porquinho pink p alicia, vc acha legal?”
“camille: quem fala “porta moedas”? kkk se chama cofrinho e sim eu acho”
São nove horas da noite e Mariana toca a campainha de casa, junto a Luka. Depois de dez ou quinze minutos Noah bate na porta e minha mãe quem abre.
“Que lindinho esse aqui. Eu não conhecia!” Ela diz, puxando-o para dentro.
Olho para ele e sei que se tivesse como sair correndo ele sairia. Todos cumprimentam Noah e segue aquele diálogo: “seu-cabelo-ta-diferente” “que-bonita”, acho meio constrangedor todos elogiando uns aos outros, pra mim parece papo de tia.
Chegamos à festa quarenta minutos atrasados, o que considero ok. Chegar cedo é péssimo porque você tem duas opções: ficar com o aniversariante enquanto só os parentes chegam ou ficar sentando num canto agindo como um adolescente com seu “smartphone”, chegar tarde é tão péssimo quanto porque a coxinha já está gelada e alguns meninos suados. Eca. Papo vem, papo vai, música vem, música vai, Fernando e Clarissa se pegando violentamente num canto, Mariana e “?” se pegando no outro. Essa interrogação indica que não sei quem ele é e talvez nem mesmo ela saiba.
Senti alguém me puxando, olhei em direção ao meu braço, seguindo com os olhos a mão desse alguém até o rosto de seu dono. Era o terceiro menino que ia puxar conversa comigo a fim de querer me beijar. Os outros dois não passavam de sete na tabela de Luka. Esse era um dez.
Seu nome é Leonardo, dezessete anos, estuda no Keyço, na esquina da minha escola. Ah, eu amo o nome Leonardo, amo o apelido Leo e bem... Amei seu beijo. Foi só um, numa parede, durou meia hora e paramos assim que começaram a cantarolar a música de Parabéns. Não peguei seu número de celular, nem ele o meu.
Quando voltei Noah estava sentado e Luka em pé, ao seu lado. Conversei com os dois, falei o que sabia sobre o Leo e comentei de algumas meninas bonitas e caras provavelmente gays para eles.
Mas Noah não soltou uma palavra, pelo menos não comigo, até o fim da noite.
“Noah? Você não vai me dizer por que tá quieto assim?” Digo, enquanto sento ao seu lado no meio fio. Estávamos esperando os pais de Luka, que nos dariam carona.

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